COSTA FRIA (Ericeira)

Demasiado tudo: ingredientes, inconsistência, e preço.

O texto vai ser longo, por isso aqui está um resumo: ficámos com muitos mixed feelings em relação ao Costa Fria, restaurante ao qual fomos almoçar de propósito saídos de Lisboa, com um casal amigo das andanças dos restaurantes. O conceito pode estar mais ou menos definido, a localização ajuda muito, o staff internacional também, porque a maioria das mesas do restaurante não falavam português. Mas depois há tudo o resto, ou pelo menos há o fator consistência. E se nem o serviço nem a comida são consistentes, isso justifica o preço (elevado) que se paga? Veremos…

costa fria restaurante ericeira

A vista para o mar é sempre agradável, mesmo que o seja muito mais da esplanada do que do interior… porque a estrutura metálica da esplanada, ainda que gira, acaba por tapar quase a totalidade dessa vista. No interior do Costa Fria, uma sala onde dominam os cinzas e o próprio cimento, ainda que com apontamentos dourados, temos dois balcões, com alguns bancos para quem queira acompanhar o processo. É algo muito habitual em Lisboa, mas acredito que seja novidade por estas bandas. De qualquer forma, ficamos no exterior, não só pela vista mas também porque no interior maximiza-se o espaço e preferimos não almoçar com os outros grupos que estavam na sala. São opções nossas, sei lá…

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Começamos por ser muito bem atendidos pela Marta, fantástica nas explicações, sempre com um sorriso. Mas depois, com o restaurante cheio e com o serviço a correr, nem sempre nos calhou a Marta na mesa. E o resto do staff tem menos jeito, sejamos honestos. E menos simpatia, isso certamente. Staff e não só, porque sempre que foi o próprio dono do restaurante a trazer algum prato para a mesa, fê-lo sempre sem esboçar um sorriso e sem sequer dizer uma palavra, nem em português nem em inglês. Esta falta de comunicação ou sentido de atendimento, especialmente no dono do espaço, não nos parece correto nem simpático. Especialmente quando estamos num restaurante onde os preços nos fazem facilmente pagar 50€ por pessoa para comer “petiscos de autor”.

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Porque é nesse registo que se posiciona o Costa Fria. Aquela tipologia de restaurante meio “hipster”, que agora está muito na moda, que às vezes até se chama tasca… mas que depois serve pratos só com o nome da proteína principal, com imensos ingredientes todos listados, com influências de todo o mundo, tudo muito colorido… e a preços altos. Vá, venham daí os indignados agora, que também não gostaram quando escrevemos sobre o Tricky’s e dissemos que achámos caro. Sim, a qualidade paga-se. Mas é mais complicado de aceitar quando as doses são pequenas ou quando não percebemos essa qualidade nos pratos. Enfim, opiniões.

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Na comida, continuámos a sentir a falta de consistência que já tínhamos percebido no serviço, com pratos efetivamente muito bons e outros que são mais pretensiosos do que sabem realmente. E como somos quatro pessoas na mesa, debatemos um pouco, trocamos opiniões, mas pelo menos podemos pedir mais pratos do que se fôssemos só dois. Ainda que todos tenhamos olhado para os preços – dos pratos e dos vinhos, onde o mais barato está nos 32€ garrafa – e tenhamos também percebido que não ia ser um almoço “low cost”. Longe disso.

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Para começar, não há pão. Há pão… com coisas. O pão é sempre uma Focaccia interessante, servida numa fatia completa, ideal para uma ou duas pessoas, mas pouca se formos quatro, como éramos. Pedimos o Pão com Ovas, que é um pequeno prato com emulsão de ovas de bacalhau, pickles de pepino e de cebola roxa, nigella (que penso serem umas sementes do Médio Oriente) e endro. E azeite, já agora, mesmo não estando na descrição dos ingredientes. Conjunto que resulta muito bem, num bom nível de acidez, mas que realmente é demais para a fatia de focaccia, mesmo que fosse só para duas.

Outro pormenor que inevitavelmente influencia a experiência pela negativa são os timings do serviço. Porque fazemos questão de pedir para os pratos virem para a mesa sequencialmente, mas isso não aconteceu. Chegou tudo ao mesmo tempo, entradas e pratos principais, frios e quentes. E nem sempre com o cuidado de perceberem que não havia espaço na mesa para os colocar, era deixar pratos e pronto. Nunca, depois da explicação inicial e geral que a Marta nos deu, chegou algum prato à mesa com qualquer explicação. Não era bem o que esperávamos…

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Por isso mesmo, nem sabemos bem para onde nos virar… o petisco intitulado Carapau tem esse mesmo carapau em versão Jaquinzinho (ficava menos sexy escrever isto na ementa) frito, com sementes de duqqa (uma especiaria do Médio Oriente) e acompanhado por um aioli de Porto. Um excelente snack, uma versão mais modernaça e internacional e a atirar para o fino dos nossos jaquinzinhos com maionese. Ao lado dele na foto, outro prato, dos melhores do almoço todo, porque é também dos mais simples: Tomate Coração (de Boi), com emulsão de tonnato (claro que não podia ser um tonnato simples), pickle de cebola, endro, rebentos de ervilha e vinagre de xerez. A descrição é longa mas este prato funciona muito bem porque o tomate é excelente e o tonnato liga muito bem com ele (o tonnato é um molho italiano com atum, anchovas e uma carrada de outras coisas). Podia ser muito mais simples e era excelente na mesma.

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Viram como temos estado a descrever e a explicar metade dos ingredientes nos pratos? Pois, ninguém fez isso connosco. E se calhar é um bocadinho prepotente achar que o cliente tem de saber o que é nigella, duqqa, xerez gastrique, shoyu, etc. Enfim, se calhar somos nós que estamos errados. Mas pronto, continuemos. Até porque ao mesmo tempo de tudo o resto chegaram as Vieiras, com miso, shoyu de soja, cebolinho, gengibre, alho e malagueta. Ufa! Bom prato, uma explosão de sabores na boca… mas cozinha ou sala sem noção: porque se a dose deste prato tem 3 unidades e nós somos 4 pessoas na mesa, custava alguma coisa terem avisado? Pagávamos uma a mais ou então tomávamos outra decisão. Mas não, tivemos de dividir uma vieira. Ridículo.

Outro prato diferente no Costa Fria, a Lula, com o bicho cortado finamente, com cominhos, salsa, coentros, azeite, limão, malagueta fermentada, um prato fundo e uma colher. Acho que não tinha mais nada. Fresco, sem dúvida, mas o corte da lula acaba por transformá-la em quase mais um elemento do prato, e não o elemento central, o que é uma pena.

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Neste momento, com os pratos todos na mesa, e à medida que vamos tentando provar de tudo um pouco para que os quentes não arrefeçam, comprovamos um pormenor que nos chamou a atenção na leitura da ementa: na nossa opinião, praticamente todos os pratos têm um ou dois elementos a mais. São quase todos demasiados complexos, com muitos contrastes, às vezes desnecessários – porque menos é mais. Ou devia ser. E as descrições… descrevem demasiado os ingredientes. Imaginem se um restaurante servisse carne de porco à alentejana e descrevesse todos os ingredientes no nome do prato, só porque sim. Era parvo, não era? Pois mas é o que acontece no Costa Fria.

Enfim, não houve transição para os pratos principais porque chegou tudo ao mesmo tempo à mesa. E pedimos os únicos dois pratos que existem na ementa como dose individual, já que todos os outros são para duas pessoas, com preços ajustados a isso. Porquê? Nunca saberemos. O Ragù era uma escolha óbvia: massa gnocchi artesanal, cachaço de porco guisado, requeijão, tomate e queijo de São Jorge. Podemos dar a nossa opinião e dizer que o gnocchi estava demasiado duro e que a textura não deveria ser aquela, mas depois vêm para aqui cozinheiros dizer que nós não percebemos nada. O resto do prato está muito bem conseguido, ainda que tenha requeijão a menos para lhe dar alguma frescura. Mas um bom prato, sim senhor.

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E ainda melhor o Cavatelli, uma massa artesanal servida no ponto, com camarão, anchovas, azeitonas, limão e azeite. Um prato mais fresco, mais adequado à beira mar, com sabores que fazem sentido para a zona em que estamos. Há aqui fusão e, mesmo que pareça ter muitos ingredientes, é dos pratos mais simples do nosso almoço. E dos melhores, lá está.

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Voltando às coisas menos positivas, as proporções. Pelas fotografias que foram vendo até agora, dá claramente para perceber que a foccacia é insuficiente para a pasta que a acompanha, que o aioli dos carapaus é ridiculamente pequeno para a quantidade muito boa de bichos, ou que o requeijão do prato de ragù é tão pouco que mais valia não estar lá. São pormenores que não são assim tão pequenos, porque influenciam a forma como se degustam os pratos.

Finalmente, a sobremesa. O Crumble está assinalado na carta como custando 15€. Sim, 15€ por uma sobremesa. E aqui não há nenhuma indicação do porquê do preço, temos mesmo de perguntar. E só aí é que nos dizem que é uma sobremesa que dá para dividir. Mas devia estar escrito, porque não pago 15€ por uma sobremesa nem num Estrela Michelin. Enfim… o Crumble é muito bom, muito bom mesmo, e servido numa dose que dá perfeitamente para quatro pessoas – o que nos podiam ter dito. Para cada um chega também uma taça de Merry Cream, um creme tipo gelado com nata, azeite extra virgem e flor de sal, onde é suposto misturar o crumble. O conjunto é excelente, um final muito bom para uma refeição com demasiados altos e baixos.

cumble costa fria restaurante ericeira

Enfim, não há bem como resumir este almoço no Costa Fria. Tudo foram demasiados contrastes, demasiados altos e baixos, coisas sem sentido, sabores fantásticos, preço demasiado alto. Em relação a este último ponto, grande parte da culpa é dos vinhos, já que a garrafa mais barata custa 32€ (e cada copo de cerveja minúsculo, custa, 5€). Mas os pratos também são todos caros, ou pelo menos com preços acima da média. E se a qualidade se paga? Sim, paga-se, sabemos e aceitamos isso. Mas também se paga o bom serviço, a simpatia, o cuidado aos pormenores, e muitas destas coisas falharam muitas vezes durante o nosso almoço. Se vou pagar 50€ por pessoa para comer “petiscos” destes, espero um bocadinho mais de acompanhamento ao longo da refeição. Ou então não lhe chamem “petiscos”, sei lá. Só sabemos que éramos quatro pessoas – e pessoas habituadas a este registo de restaurante em Lisboa – e todos tivemos a mesma opinião: isto não vale o preço que pagámos, por tudo junto.

café

E sim, nós sabemos: isto são tudo opiniões e preferências. Acredito que existam pessoas mais “cultas gastronomiacamente” do que nós que vão até à Ericeira e que achem o Costa Fria a última Coca-Cola do deserto. E está tudo bem com isso. Para essas pessoas, especialmente.

Preço Médio: 40€ pessoa (com cerveja, e se forem controlados naquilo que pedem)
Informações & Contactos:

Rua Capitão João Lopes, 4 | 2655-295 Ericeira | 926 367 969

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