Pastas espectaculares! Mas depois faltam uns pormenores…
“Spaghetti All Bolognese doesn’t exist!” Foi esta a frase que mais nos chamou a atenção ao percorrer as páginas do menu do Ruvida, um dos mais recentes restaurantes italianos de Lisboa e uma das grandes “sensações” entre a comunidade foodie da cidade no ano passado. Aliás, a nossa curiosidade era tanta que não só fez parte da nossa wishlist de restaurantes para 2020 (que podem rever aqui)… como foi o primeiro a ser visitado, dessa lista!
E isto da comida italiana tem muito que se lhe diga… Tendo em conta que é (provavelmente) a gastronomia mais “exportada” do Mundo, é normal que chegue a qualquer país já assim um bocadinho diferente do original. No nosso caso, isso não foi excepção. Só há alguns anos para cá começámos (no geral) a perceber como se faziam as verdadeiras pizzas napolitanas ou como é na realidade um spaghetti alla carbonara. E isto apenas para citar dois exemplos. Por isso, precisamos que sejam os restaurantes a instruir-nos sobre o que é a gastronomia genuína de cada país, e isso vai acontecendo lentamente. No caso da gastronomia italiana, o Ruvida é um dos mais recentes restaurantes que se propõe a mostrar-nos como são as coisas na realidade.
O espaço é simpático, acolhedor e até algo romântico… mas ao entrar no Ruvida, é impossível ficar indiferente ao balcão onde, atrás de um vidro, vemos a Valentina (uma das responsáveis do espaço) a estender e “moldar” a massa. Pasta fresca é isto, digo eu. Esta teatralidade torna-se um ponto de interesse durante o jantar e acaba por condicionar imenso a experiência, porque até parece que as pastas nos sabem melhor. Pode ser psicológico, ou então não. A verdade é que as pastas são deliciosas!
A carta do Ruvida não tem muitos pratos, mas ainda assim é mais complexa do que esperávamos. Há pouca coisa que nos é familiar, tanto pelo nome como mesmo pela descrição – é o posicionamento do restaurante, um italiano fora do comum. Isso torna o processo de decisão um pouco mais demorado, até porque todas as pastas (e mesmo os outros pratos) parecem deliciosas!
Seguindo então a sugestão de quem nos atende, pedimos o Tris di Antipasti, que é como quem diz um trio de entradas (escolhido pelo Chef). A nós calha-nos a Mousse di Mortadella (proveniente de Bolonha, com ricotta de ovelha, parmesão e granola de pistácio), que é interessante mas para a qual temos de pedir pão, que não é servido automaticamente com a entrada (vá-se lá saber porquê, uma vez que algo deste género precisa de pão…); a Sarde in Saor (um prato veneziano, que é uma espécie de escabeche, com as sardinhas fritas e marinadas com cebola agridoce, passas e pinhões), a melhor das entradas; e o Tartere di Vitello Alla Piemontese, a maior decepção da noite (na descrição lemos vitela branca francesa picada com alcaparras, cebola roxa, anchovas e sementes de mostarda… mas não encontramos nem alcaparras nem anchovas, e isso torna o sabor do tártaro completamente desinteressante).
Felizmente, as pastas são mesmo o destaque do restaurante. E, depois de passar o tempo todo a ver alguém a trabalhá-las, estávamos com expectativas enormes… que foram amplamente correspondidas! Também sugestão, o Tajarin con Tartare di Gamberi, Crema di Bufala e Bottarga: é tipo um tagliatelle, mas a pasta é feita com gemas de ovo, servida com tártaro de camarão, creme de mozzarella de bufala e bottarga (que é uma espécie de ovas). Um prato delicado, com um sabor intenso a mar, delicioso. A pasta está cozinhada na perfeição e tem uma textura fantástica.
Também excelente é o Tagliatelle Al Ragù, que já tínhamos em mente para provar ainda antes de termos entrado no Ruvida. O ragù é um molho típico de Bolonha (daí a explicação que o spaghetti all bolognese não existe), feito com carne de vaca e porco, com um tempo de cozedura de mais de 8 horas e com muito pouco tomate. Neste prato temos uma carne saborosa, na proporção perfeita em relação à pasta que, por si, é novamente perfeita. O queijo parmesão ralado por cima melhora o conjunto, mas honestamente quase não é preciso. Este é um prato que representa aquilo que sempre associámos à cozinha italiana: sabor e conforto.
Num jantar com mais altos que baixos a nível de comida, aquilo que nos fez um bocado mais de confusão foi o serviço. Informativo sim, simpático também… mas demasiado presente. Sexta-feira à noite, com 8 clientes no restaurante… e 3 pessoas na sala, claramente à espera de qualquer pretexto para abordar as mesas. É bom receber sugestões de pratos, mas quando temos pelo menos uns minutos para analisar a ementa; é agradável que nos perguntem se estamos a gostar, mas não depois da primeira garfada (literalmente)… e depois no final novamente. O resto do tempo, sentimos constantemente os olhos em cima de nós, atentos a qualquer movimento. Menos ao vinho nos copos, porque esse fomos nós que tivemos de servir. Sei lá, num restaurante que até tem o potencial para ser romântico, e com um ticket médio relativamente elevado, o serviço quer-se um pouco mais subtil.
Terminamos o jantar com duas sobremesas completamente diferentes, como aliás todas as que fazem parte da carta do Ruvida. Por um lado temos a Crema al Mascarpone, que é basicamente o creme do tiramisù, denso e rico, feito com gemas de ovo e mascarpone, aqui servido com frutos vermelhos e folhas de tomilho, muito guloso; e ao lado na fotografia temos o Biancomangiare Siciliano, uma espécie de pudim preparado com leite de amêndoas, com uma textura quase a tocar numa pannacotta e um sabor bastante diferente do que é habitual. Uma sobremesa arrojada para um italiano em Portugal, sem dúvida. Mas é essa diferenciação que faz com que os restaurantes se destaquem.
No final do jantar, o serviço volta a falhar num pequeno pormenor, que já não é assim tão pormenor como isso. Se já antes o vinho foi dado a servir ao elemento masculino da mesa (e num restaurante com este nível, seria de esperar a pergunta sobre quem prova), quando fazemos o reparo a esse pormenor, a mesma empregada entrega a conta também ao homem, ao mesmo tempo que diz que nunca faz isso. Não se trata de feminismo nem nada do género, trata-se de algum bom senso.
Ainda assim, o que retemos do Ruvida são, sem qualquer dúvida, as pastas fantásticas. A nível de execução, são das melhores que comemos em Lisboa, entrando directamente para o nosso top 3. E a nível de criatividade (ou pelo menos diferenciação) são as melhores de todas. E isso é o que é memorável no Ruvida… porque o resto não foi tanto. Um espaço com este potencial – e especialmente com este preço por pessoa – precisa de rever alguns pormenores menos bem conseguidos, porque senão corre o risco de não fidelizar os clientes. Talvez por isso estar quase vazio numa Sexta-feira ao jantar…
Preço Médio: 30€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Praça da Armada, 17 | 1350-027 Lisboa | 21 395 0977