O Nepal, escondido na Praça de Espanha.
Há restaurantes em Lisboa que são clássicos e dos quais todos nós já ouvimos falar. E estou a falar de restaurantes de todos os tipos, caros ou tascas, ou de todo o tipo de comida. E depois há outros restaurantes que são clássicos – no sentido em que muita gente os conhece e estão sempre cheios e são verdadeiros marcos na zona onde estão situados – mas dos quais nunca tínhamos ouvido falar. Ou até podíamos ter ouvido falar, mas nunca tínhamos ligado muito. O Casa Nepalesa é um desses casos.
Correndo o risco de ferir algumas susceptibilidades, nunca ligámos muito quando ouvíamos falar da Casa Nepalesa, porque achávamos que era mais um daqueles restaurantes tipo indianos normais. Como muitos dos que há por Lisboa. Mas depois começámos a ouvir falar do restaurante e, num contexto de jantar de grupo tentámos marcar mesa… e percebemos que era muito complicado. Porque está sempre cheio. E foi neste momento que o interesse sobre o Casa Nepalesa começou realmente a crescer.
A primeira impressão, quando entramos no restaurante, é quase de estranheza, porque esperamos algo mais… ético. Novamente, um preconceito. Os pormenores de decoração que apontam para o Nepal até lá estão e em grande quantidade, mas a verdade é que as paredes de pedra, tecto com vigas de madeira e mobiliário castanho escuro remetem-nos mais para o imaginário dos restaurantes tradicionais. Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Até porque assim que nos sentamos, a situação muda logo de figura. Quem nos atende fala um português com sotaque e pergunta-nos se é a primeira vez. Como é, uma pequena introdução, com ressalva para a comida poder ter vários níveis de picante. Assim agrada a todos, não é verdade? 😉
Sugerem-nos também escolher já entradas, enquanto vemos o resto da lista que, claro, está dividida por proteína. E trazem-nos logo o couvert, sem sequer pedirmos nada (só percebemos no final, quando o vemos na conta, que não foi uma oferta da casa… má onda!). Estamos a falar de um Momo (um pastel de trigo recheado com carne) e um Aluchop (outro pastel, este de batata e cebola, com especiarias). São bons para experimentar os 4 molhos que nos trazem para a mesa e que também nos explicam pormenorizadamente o que são.
Ora, preparem-se que a partir de agora vamos começar com os nomes estranhos! 🙂
Começamos por pedir algumas entradas. A Kakhura Singada, o nome nepalês para aquilo que para nós é uma chamuça, é muito boa, aqui talvez com uma massa mais espessa do que aquela a que estamos habituados, mas com um recheio fantástico e picante qb. E, claro, não podia faltar outro clássico dos restaurantes desta zona: os Malahi e Lasuna Roti, que é como quem diz pão fofo com queijo e com alho, são muito parecidos com o que comemos nos restaurantes indianos, mas aqui ganham uma nova dimensão com os molhos, que são todos fantásticos!
Mas é com a chegada dos pratos principais que começamos realmente a perceber a nuances de sabor desta comida feita na Casa Nepalesa. Porque independentemente do nível de picante, cada um dos pratos tem um sabor efectivamente diferente. E como chega tudo quase ao mesmo tempo à mesa, a ordem é indiferente. O Jhinge Machha Masala – as gambas cozinhadas com molho de caju, tomate, natas e especiarias, previamente grelhadas no forno a carvão – são logo anunciadas como o melhor prato da carta por quem nos atende, e a verdade é que é um prato com um equilíbrio perfeito entre o doce e o salgado, com um molho excelente para ensopar o arroz.
Assim como as gambas com molho de caril, ou antes, Masaledar Jhinge Machha, outro prato com sabores doces e intensos. O caril é perfeito, dos melhores que já comemos… mas a pessoa que o pediu não gosta nada de picante, por isso desse não há nenhum.
Mas, pessoalmente, prefiro pratos mais “agressivos”, com mais picante, ou pelo menos com sabores menos adocicados. E temos disso em outros pratos 😉
Queremos experimentar várias proteínas, por isso pedimos também um prato com javali. O Bandel Chyau Ra Kurilo (javali com cogumelos frescos, espargos verdes frescos e molho de caril) é mais intenso ainda, com os vegetais a dar texturas diferentes à carne. Um prato mais equilibrado que os outros, até porque uma dose de picante não faz mal a ninguém.
E ainda nos pratos principais, aquele que tem um aspecto menos bonito, mas que sem dúvida é o melhor conseguido a nível de sabor. O cabrito com cebola, tomate fresco, pimento verde com gengibre (Baakhra Ko Maasu Ra Bholte Khursani), que pedimos com picante a sério, e que não desilude em nada! Todo o prato é excelente, faz-nos despertar, e o picante é forte mas não se sobrepõe ao sabor que o tomate e os pimentos dão ao molho. Nunca fui ao Nepal, mas se a comida nepalesa original for assim, então vamos lá! 🙂
Na mesa todos provámos um pouco de todos os pratos, e é essa uma das coisas mais interessantes neste tipo de comida, o facto de podermos partilhar coisas diferentes.
Por isso, nas sobremesas também pedimos várias. A lista não é muito longa mas tem algumas coisas que nos chamam atenção na leitura e depois nos surpreendem à vista e ao paladar. Pedimos dois gelados: o de côco (Nariwol Baraf) e o de manga com pistachio (Aamp Baraf), visualmente muito engraçados, mas com sabores normais, sem nenhuma surpresa. Outra sobremesa divertida é a Rasbari, uma bolinha de leite em calda de açúcar, extremamente doce e estranha de comer, porque não sabes se deves pôr tudo na boca ao mesmo tempo ou simplesmente cortar com uma faca…
Ainda comemos o pudim de natas e frutos silvestres (Dugdha Malahi), que é basicamente uma pannacotta, nada surpreendente. Mas outra (e a última) surpresa da noite foi o “arroz doce tradicional” (Khira), que pedimos por pensar que seria mesmo tradicional… mas que é tradicional do Nepal 😉 Um caldo com arroz no meio, muito forte, sabor a frutos secos e a coco, surpreendente mas excelente!
Ficou muita coisa para provar da carta, que é extensa. Mas pareceu-nos que vamos ser como a maioria das pessoas que enchiam o restaurante: repetentes!
Quando saímos do Casa Nepalesa é quase meia noite, e somos os últimos a sair. Mas ainda assim não houve uma tentativa de nos apressar, todo o staff foi sempre extremamente simpático. Aliás, isso foi uma constante durante a noite, simpatia e a necessidade de nos informar sobre aquilo que nos servem.
Esse pode ser só um dos aspectos que faz com que a Casa Nepalesa esteja quase sempre cheia. Mas também pode simplesmente ter a ver com a comida, que nos envolve logo desde o início. E mesmo se descontarmos o espaço, que podia ser um qualquer restaurante tradicional, toda a experiência na Casa Nepalesa leva-nos para outros sítios, outras culturas. E isso é a melhor coisa que se pode tirar de um restaurante “étnico” (ou de comida do mundo, se preferirem): uma experiência que nos faz viajar.
Preço Médio: 28€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Avenida Elias Garcia, 172 A | 1050-103 Lisboa | 21 797 9797