Tricky feeelings…
Numa época em que os conceitos cada vez mais se cruzam, se calhar é o próprio paradigma que está a mudar. A típica casa de petiscos variados com bebidas a acompanhar está gradualmente a dar lugar aos bares de cerveja ou de vinhos que contam com uma cozinha onde se serve comida para acompanhar as bebidas. É esta mudança de perspectiva que temos de aceitar, se quisermos “jogar o jogo”. Mas a nós, pessoalmente, ainda nos custa muito.
Por isso é que o jantar no Tricky’s foi tudo menos consensual…
E atenção, não há nada de errado na forma como o Tricky’s se posicionou. Até porque, na zona da cidade em que está localizado, tem tudo para correr bem. Isto, claro, se não existir outro factor qualquer que retire o turismo da cidade… porque o Tricky’s é claramente virado para um público estrangeiro. Principalmente por causa dos preços.
Este fenómeno dos spots que juntam bares (de vinho ou cerveja) a uma carta com pratos para dividir, tipo petiscos mas mais elaborados, começou ainda no pré-pandemia e depois foi crescendo ao longo destes mais de 2 anos. Espaços virados para a partilha, para os grupos, com música alta, vinhos naturais ou cervejas artesanais, mesas corridas e pequenos pratos que geralmente fazem uma fusão de gastronomias e ingredientes, sempre com um twist modernaço.
No Tricky’s, temos um balcão à entrada com as bebidas, algumas mesas onde a malta se senta, depois a cozinha aberta e ainda uma mezanine com uma mesa para grupos. Iluminação baixa, música alta, desenhos nas paredes, frases a atirar para o cool, imensos pormenores prontos para ser fotografados e fazerem as delícias do Instagram.
Depois há uma carta extensa e variada de vinhos naturais, algumas cervejas artesanais e outras bebidas sem álcool como kombuchas e cenas dessas. No fundo, ofertas para todos os gostos e todo o tipo de malta, para que se possa beber uns copos, conversar e conviver, independentemente do idioma. Até porque o staff é multi cultural, por isso há uma integração ainda maior com os clientes, que são maioritariamente turistas.
E a comida? É aqui que as coisas começam a divergir um pouco. Com a cozinha aberta e até completamente exposta se estivermos na mezanine, podemos ver a azáfama dos cozinheiros. O que não percebemos até chegarem os pratos à mesa são os tamanhos das doses… que são assumidamente pequenos para os preços praticados. Ou seja, não é obrigatório gastar muito dinheiro a jantar no Tricky’s, mas se não o fizerem vão ficar com fome.
Estamos no registo da cozinha internacional, e a grande maioria dos pratos explora uma fusão entre referências da cozinha portuguesa com fortes influências italianas e especialmente orientais. Há também a preocupação com a utilização de produto sazonal e de produtores selecionados, o que é sempre bom. E sim, há um cuidado forte com a apresentação dos pratos, como não podia deixar de ser. Mas depois, voltamos à questão do tamanho das doses, como aliás podem ver nas várias fotos ao longo deste texto.
Pratos com o Atum (tipo tacos) ou o Tártaro de Vaca não são mais do que snacks, porque a sua dimensão é muito reduzida. Bons sim, mas minúsculos… E os preços não são propriamente os de um snack, o que faz com que a conta vá aumentando porque fomos ao Tricky’s para jantar e não apenas beber um copo, percebem? É este paradigma diferente com o qual se calhar não estamos completamente alinhados.
O resto da ementa do Tricky’s tem uma vertente vegetariana muito acentuada, aliás, cerca de metade dos petiscos não têm proteína animal – novamente, mais um ponto a favor do espaço. E pratos como o Risotto de Couve Toscana ou os Tortellis de Ricotta são verdadeiramente fantásticos! Os sabores, as texturas, a apresentação, tudo certo aqui, percebe-se a qualidade do produto e, acima de tudo, percebe-se que é tratado com respeito.
Os pratos vão saindo da cozinha com uma velocidade acelerada, mas isso aqui nem sequer faz muita confusão, porque o tamanho das doses faz com que não durem muito na mesa. Sei que estamos a insistir neste ponto, mas foi efectivamente o que sentimos, porque éramos 3 pessoas e na realidade conseguimos comer apenas uma pequena colherada de cada prato.
No campo da proteína animal, o grande vencedor da noite é claramente a Língua de Vaca Grelhada, servida debaixo de uma salada que é tal e qual a Papaia Salad tailandesa, e que não fica nada atrás de algumas que comemos por lá. Este é daqueles pratos em que se percebe claramente a mistura de produtos nacionais com confecções asiáticas, e isso leva-nos numa viagem sensorial muito interessante. Aliás, viagem essa que já acontecia noutro petisco anterior, a Stracciatella (Itália) com Espargos Verdes (Portugal) e Chili Crisp (China). Se parece estranho? Sim, parece. Se funciona bem? Sim, funciona muito bem!
É verdade que nem todos os pratos resultam assim tão bem a nível das combinações, mas é perfeitamente normal que isso aconteça, até porque estamos a falar de um espaço aberto há menos de um mês. E esta vertente experimental na cozinha também se paga, é verdade, porque ainda estão numa fase de perceber a clientela que têm e como reage aos pratos e aos preços. Percebemos isso tudo, mas não deixamos de dizer que, se pelo menos as doses fossem maiores, seria mais justo o preço a pagar.
No fundo, o Tricky’s ganha muito pelo posicionamento em si e também em grande parte pela localização. O eixo Cais do Sodré – Santos está cada vez mais vibrante com estes novos espaços, que acabam por criar sinergias entre si e fazer com que os clientes saltitem sempre de um lado para o outro. E também não é um mau restaurante, quando pensamos apenas na comida, mesmo que existam altos e baixos nos pratos do menu. Aquilo que efectivamente sobressai é a questão do preço vs as doses, o que torna a experiência total em algo caro. E por isso é que não conseguimos ter uma opinião consensual…
Preço Médio: 35€ pessoa (se forem em casal, pedirem 3 pratinhos, com vinho… mas vão ficar cheios de fome)
Informações & Contactos:
Rua da Boavista, 112 | 1200-262 Lisboa | 21 241 77 18