Petiscos luso brasileiros… mas tasqueiros na mesma!
Estas “novas tascas” nada têm a ver com as petisqueiras modernas que apareceram em Lisboa há uns 6 anos atrás, depois do boom das hamburguerias. Aqui, mais do que a comida, o que transita das tascas antigas é mesmo o ambiente: aquela confusão agradável, o barulho das pessoas divertidas a falarem alto e a rirem, as constantes bocas a que serve, o sentirmo-nos à vontade. E isso não se recria… ou se tem, ou não se tem.
E a Tasca Baldracca tem esse vibe. Mesmo que nem tudo seja perfeito, o vibe de tasca à antiga acaba por nos fazer “olhar para o lado” e deixar ir.
É sempre complicado ir a restaurantes acabados de abrir. Mas também é inevitável, especialmente se começamos a ouvir falar deles ou a ver coisas em redes sociais. Isso desperta-nos sempre o interesse, é perfeitamente normal. E sabemos que os primeiros tempos de qualquer restaurante são sempre os mais atribulados e aqueles onde há mais coisas a afinar. Ainda assim, quando sabemos que esta novidade vem de alguém que conhecemos com créditos na área, e ainda mais percebemos qual é o conceito, não dá mesmo para evitar ir lá cuscar! 🙂
A Tasca Baldracca é a mais recente tasca moderna de Lisboa, daqueles sítios que tentam recriar o ambiente de tasca antiga portuguesa. Curiosamente é um ambiente que muitas das pessoas que agora procuram estes espaços nunca viveram na realidade… o que não tem problema nenhum. O importante neste movimento de revivalismo é mesmo mostrar que a nossa cultura gastronómica vai muito para além das receitas: o que nós fazemos melhor como povo é receber, criar bom ambiente, servir comida para partilhar e vinho para acompanhar.
Ora, este ambiente tasqueiro da Tasca Baldracca pede pratos de partilha, daqueles que rodam pela mesa toda, em simultâneo. O que nos permite provar mais coisas, é verdade, mas também tem o problema de acabarmos por ter muita coisa na mesa ao mesmo tempo, o que faz com que algumas coisas comecem a ficar frias antes de lá chegarmos. É pena…
A ementa é grande, escrita na parede, numa ardósia… onde é que já vimos isto antes? Não há mal nenhum em ter referências, até porque sabemos que o Pedro Monteiro foi um dos melhores cozinheiros que passou pela Taberna Sal Grosso e um dos elementos do colectivo “New Kids On The Block”, onde há malta do Velho Eurico e da Musa da Bica, entre outros. Ou seja, percebemos que há uma partilha de conceitos, ideias comuns, a vontade de fazer a mesma coisa: criar espaços onde as pessoas se possam sentir bem e onde os cozinheiros possam mostrar o que fazem de melhor.
Somos um grupo grande e queremos provar muita coisa, por isso escolhemos alguns pratos, enquanto outros são-nos sugeridos. Há alguns que se destacam logo ao olhar para a ementa, e no geral a qualidade é bastante boa, ainda que sintamos que uma ou outra coisa poderia estar melhor. Mas isso é normal, não é? Especialmente num restaurante que tem menos de um mês de existência e que ainda está a afinar pratos e mesmo processos.
E há mesmo um pouco de tudo, e muito para escolher, pelo que fazem sentido várias visitas. As Azeitonas Panadas com Anchova (um daqueles snacks viciantes!), o Pastel da Feira de Polvo ou as Moelas em Tempura mostram-nos uma fusão de influências portuguesas e brasileiras, sem que nada pareça desajustado, apenas interessante e tentador.
Mas há mais, muito mais: o Escabeche, algo tão tradicional, aqui é de Língua, porque sim, e a questão das texturas é também muito explorada noutros pratos como o Choco com Feijão Branco e Chouriço ou como a Dobrada Panada. São combinações mais ou menos habituais, coisas tradicionais, que cozinheiros como o Pedro na Tasca Baldracca recuperam e apresentam de forma ligeiramente mais cuidada, para que quem lá vai possa fazer uma de duas coisas: ou recuperar memórias, ou experimentar pratos que são tão nossos.
Mas nem tudo é completamente tradicional, até porque estamos em tempos diferentes, onde é preciso ter todo o tipo de alternativas. Por isso, há também pratos vegetarianos na ementa de ardósia, um deles muito bom (a Salada de Beterraba com Queijo de Cabra e Castanhas é fantástica!) e outro demasiado doce (uma espécie de texturas de Abóbora com Laranja).
Depois temos ainda pratos que já tínhamos em mente por ver noutras fotografias a circular pelas redes sociais, e que nos deixam com mixed feelings: o Tártaro de Novilho com Pastel de Vento e Maionese de Anchova é muito bom, não há dúvida nenhuma; o Scotch Egg com Morcela e Puré de Maçã é um dos pratos da noite, ainda que seja uma combinação óbvia e que resulta sempre (só que aqui apresentada de forma muito diferente)…
… mas depois temos a “Picanha como deve ser”, que é um naco de picanha grelhado, acompanhado de farofa e uma salsa. Seria mais interessante (ou seria mesmo “como deve ser”) se estivéssemos habituados a comer só picanha no Chimarrão, mas o problema é que não estamos. Já comemos picanha melhor e muito melhor temperada noutros restaurantes, e a preços semelhantes (até porque aqui a picanha não traz acompanhamento). E se falarmos de acompanhamento, temos de falar das Batatas Tipo Leitão, que são batatas fritas com molho de leitão… mas que não têm sal nenhum. O molho não faz tudo, é preciso aqui algum sal, assim como era preciso na picanha. Para ter mais sabor, para ser mais inesquecível.
Da série “pratos que chegam à mesa ao mesmo tempo que outros e por isso acabam por ficar frios e perder um pouco com isso” temos ainda as Bochechas de Novilho com Castanha e Demi Glace (textura perfeita, bom sabor, nada a apontar na confecção) e o Leitão com Laranja e Funcho (que tem tudo para resultar… mas depois de uns minutos à espera na mesa para ser provado, perde um bocado a graça).
Há ainda mais alguns pratos na lista, mas mesmo sendo um grupo grande, não dava para tudo. Até porque ainda quisemos provar as duas sobremesas disponíveis. Tanto o Bolo de Cenoura com cobertura de Brigadeiro como a Tarte de Queijo com Goiabada são sobremesas competentes, boas sem serem surpreendentes. Talvez aqui sejam precisas maiores afinações do que no resto dos pratos, pelo menos para garantir que as sobremesas tenham aquele toque de criatividade (e apresentação) que tudo o resto.
No final, café Nespresso, em chávenas próprias, o que desilude um pouco… mas ao mesmo tempo, e como é habitual neste tipo de novas tascas, duas ou três garrafas de digestivos na mesa, para irmos bebendo enquanto continuamos as conversas, mesmo depois da porta fechar e as cadeiras já começarem a ser arrumadas em cima das mesas. Como nas tascas, são estes momentos de convívio que ficam realmente na memória, mais do que algum prato em específico.
O que o Pedro Monteiro e companhia estão a fazer na Tasca Baldracca pode nem ser completamente inovador, porque é um conceito que já vimos antes (e ali naquela zona). Mas é um conceito que resulta pelo conceito em si e especialmente pelo ambiente criado dentro do restaurante. Aqui sentimos aquele vibe “tasqueiro” que a maioria dos lisboetas mais novos nunca conheceu (e os turistas nem pensar)… mas que acredita ser assim. E a verdade é que é isso mesmo: o ambiente tasqueiro tem a ver com estares num sítio onde te sentes bem, petiscas e bebes muito bem, e sais contente… mesmo que nem todos os pratos que comeste tenham sido perfeitos. Na Tasca Baldracca talvez se pague um preço um pouco mais alto do que noutros restaurantes do género, mas isso são outras histórias.
Preço Médio: 25€ pessoa (com jarro de vinho)
Informações & Contactos:
Rua das Farinhas, 1 | 1100-177 Lisboa | 910 456 096
Não tem Multibanco.