É como regressar a casa… pela primeira vez.
O melhor que os restaurantes têm não é a comida, são as histórias e as vivências. É isso que nos faz recordar os restaurantes, aquilo que lá vivemos, com quem vivemos, são essas memórias que ficam. E uma das coisas que esta pandemia nos tirou foram esses momentos de convívio à volta de uma mesa, a partilha de pratos, jarros de vinho e conversas, muitas conversas. Felizmente os tempos estão a mudar, os restaurantes começam a abrir até mais tarde e as pessoas tentam lentamente voltar à “antiga” normalidade. E foi com tudo isto em conta que finalmente fomos até Évora conhecer o novo poiso do Joaquim Saragga Leal, o criador da Taberna Sal Grosso e Taberna Salmoura em Lisboa. Um amigo de longa data… e de longas noites.
A Taberna de Santo Humberto é o upgrade de um restaurante histórico de Évora, que era antes a Cozinha de Santo Humberto. A menos de 2 minutos a pé da Praça do Giraldo, o espaço tinha sido uma antiga adega e, mesmo com as várias mudanças implementadas para a versão actual, ainda podemos reconhecer alguns pormenores relacionados com essa temática. A principal mudança está mais relacionada com o posicionamento, porque o espaço deixou de ser um restaurante completamente tradicional e transformou-se naquilo que esperávamos pela mão do Joaquim: uma verdadeira taberna! Daquelas à antiga, com petiscos excelentes, vinhos a jarro, conversas até altas horas. Aquilo que tínhamos (e adorávamos!) no Sal Grosso e no Salmoura, mas agora em Évora.
E se é verdade que este restaurante é muito maior (e tem realmente pormenores de arquitectura e decoração fantásticos… e alguns que remetem para os restaurantes de Lisboa, porque vieram de lá), aquilo que procuramos quase de imediato são os enormes quadros de ardósia onde está escrita a ementa. Há nomes que conhecemos bem (e que nos trazem memórias inesquecíveis), outros aos quais ainda não fomos apresentados. Mas tudo tem uma simplicidade que nos aquece a alma.
A ordem é um pouco aleatória, até porque as entradas fundem-se com os pratos principais. No fundo, são petiscos, todos abaixo dos 10€, todos feitos para partilhar, enquanto vamos enchendo os copos com o vinhos da casa. Copos atrás de copos.
Os Pastéis de Bacalhau já vinham de outras andanças, mas servem sempre para começar o jantar, e começamos muito bem! Depois, ao mesmo tempo, os Biqueirões, temperados com alho, bem fritos, um snack fantástico. Assim como o Toucinho com Alho, em fatias finas, quase carpaccio, com imenso alho também e bem regado com azeite, para comer com o pão do couvert. Ou sem nada.
A noite vai seguindo com velhos clássicos de outras Tabernas e com pratos novos, criados propositadamente para este novo espaço, mas sempre dento da mesma óptica: pratos portugueses, petiscos, coisas tradicionais e simples, bem cozinhadas e temperadas, feitas com amor, para partilhar. O Pica Pau de Atum tem um molho viciante, mas ainda mais viciante é o molho das Perninhas de Rã à Bulhão Pato, puxado ao alho e aos coentros, fantástico!
Outras coisas novas nesta carta em relação às Tabernas de Lisboa: a Raia Pickelada, que não é mais do que uma raia bem envolta em pickles caseiros, o que lhe dá uma enorme frescura e acidez, e que serve como contraponto às Puntilhitas, por exemplo, muito bem fritas, bem regadas com limão. Por mim, era petisco para estar sentado a ver a bola, com umas cervejas.
Um prato que ainda não está escrito na ardósia são as Línguas de Bacalhau, servidas panadas e com um puré de ervilhas e uma salada de pimentos assados por cima, que funciona quase como uma salsa mexicana. Ainda não vamos a meio dos pratos e começam a faltar adjectivos para descrever cada um, porque o nível é extremamente alto! Estas línguas estão perfeitas na fritura e na própria polme, o puré é delicioso, tudo resulta maravilhosamente bem.
De seguida – e porque não podíamos passar-lhe ao lado – o Tutano. Já era um habitual na Taberna Salmoura, agora na Taberna de Santo Humberto sofreu uns pequenos upgrades: é servido com tostas já com manteiga (até porque o resto não tem gordura suficiente…) e ainda podemos pôr sal, pimenta e cebola caramelizada a gosto, uma espécie de toppings. É para gente forte, que gosta de sabores intensos.
Para finalizar os pratos principais, voltamos aos “velhos” clássicos. Aqueles pratos que marcaram a cena dos restaurantes em Lisboa quando a Taberna Sal Grosso abriu e que tantas vezes foram copiados por outros espaços. As Iscas de Pato são assim de longe as melhores iscas que já comemos, e aqui na Taberna de Santo Humberto continuam magníficas! A carne no ponto, a gordura a inundar o prato e a dar mais sabor às iscas, simplesmente fantástico! Pedimos a Salada de Laranja para acompanhar, mas o que a iscas pedem mesmo são as batatas fritas ou mesmo a excelente Esmagada de Batata Doce. Ou então só fatias de pão, para o molho… porque este molho não se pode desperdiçar.
Do outro lado da mesa, temos a Raia Alhada, um dos pratos desta trilogia que conseguiu subir ainda um nível na Taberna de Santo Humberto. A raia está perfeita, as batatas também, mas o molho tem ainda mais alho, está ainda mais intenso, ainda mais apetitoso. Se só puderem pedir um prato quando cá vierem, peçam este. Vão ficar a salivar com todos os outros, mas esta raia alhada é uma daquelas coisas que toda a gente deve comer pelo menos uma vez na vida!
O último ex-libris é um prato que nunca comemos noutro sítio senão nos restaurantes do Joaquim, e que basta a descrição para qualquer pessoa perceber que é uma ideia brilhante: Frango com Molho de Leitão. Isso mesmo. Não há que enganar, são mesmo pedaços de frango cozinhado no forno e depois na chapa, cobertos por um molho apimentado e gordo, o molho que habitualmente comemos a acompanhar o leitão. Esta versão do molho em Évora é ainda mais picante, ainda mais intenso, enfim, uma brutalidade!
Parecem muitos pratos (e ainda há mais na ementa), mas são sempre longas noites. Horas e horas de partilha de comida, de bebida, e acima de tudo de histórias de outras muitas noites que passámos juntos. De coisas que vivemos, entre dicas sobre a comida em si e as várias ideias que há para fazer coisas diferentes.
As sobremesas nem marcam o fim da refeição, porque depois ainda ficamos umas boas horas na conversa (e a provar os licores caseiros!). Mas marcam o momento mais doce dos pratos, isso é verdade. Na Taberna de Santo Humberto temos sobremesas diferentes em relação ao que acontecia nos restaurantes de Lisboa, mantendo-se apenas o sempre bom Pudim Abade de Priscos. Mas aqui há também uma Tarte de Queijo com uma Compota de Frutos Vermelhos que é simplesmente fabulosa! E um Pudim de Padinha, que vem imerso com um creme tipo “hollandaise”, uma sobremesa fantástica, inesquecível. Acho que aqui sente-se mais o upgrade face ao que conhecíamos destas Tabernas em Lisboa, e é um upgrade que faz todo o sentido, especialmente tendo em conta que estamos no Alentejo e há tanto produto bom na zona.
Esta primeira noite na Taberna de Santo Humberto soube mesmo como um regressar a casa, a um daqueles restaurantes que conhecemos desde sempre. Porque mesmo tendo sido a primeira vez, tudo nos foi muito familiar. E se é verdade que alguns pratos e algumas pessoas são as mesmas, é ainda mais verdade que o que aqui é diferente encaixa-se na perfeição num conceito vencedor, assim como ajuda a criar novas memórias. Os pratos, as pessoas, os brindes, as gargalhadas, as discussões de amigos, é isto que levamos de uma noite à volta da mesa.
A Taberna de Santo Humberto é mais um dos restaurantes que estão a transformar Évora num dos pólos mais interessantes da nova restauração nacional. E mais do que isso, é um sítio para reencontrar velhos amigos, porque 1h de viagem não é nada quando queremos este tipo de convívio. Para quem conhecia as Tabernas Sal Grosso e Salmoura, vai sentir-se completamente em casa. E para quem não conhecia… vai sentir exactamente o mesmo. Porque aqui somos todos taberneiros, com tudo o que de bom está implícito nesse termo.
É um restaurante obrigatório!
Preço Médio: 15€ pessoa (3 petiscos a partilhar, com vinho da casa)
Informações & Contactos:
Rua da Moeda, Nº 39 | 7000-513 Évora | 913 198 215