É tudo excelente… menos a comida 🙁
E pronto, o título diz praticamente tudo. Ou pelo menos resume o nosso final de jantar no São Cristóvão, um pequeno mas pitoresco restaurante cabo-verdeano no meio da Mouraria. Porque não há nada que me deixe mais triste do que sair de um restaurante onde tudo é maravilhoso… mas onde a comida me deixa com aquela sensação de que falta alguma coisa. E, neste caso, o que senti é que faltava alma. O que ainda é mais grave… 🙁
No final do jantar, conversei um bocadinho com a Maria do Livramento, a dona do restaurante, e expliquei que estava à espera de que a comida cabo verdeana que nos serviram fosse mais… apurada, picante, surpreendente. Enfim, que tivesse mais alma. A resposta foi simpática (claro, porque esta senhora é um amor!) e pronta: não podem apurar mais a comida por causa das crianças, dos estrangeiros… Pois, por um lado até percebo. Mas por outro lado nem por isso! Estamos num restaurante de comida africana, que se quer condimentada, picante! Se aparecem muitos turistas ou crianças que não suportam este tipo de comida, então se calhar estão no sítio errado! O que não pode acontecer é ir a um restaurante que serve pratos tipicamente cabo verdeanos e comer comida sem sal, sem picante… sem sabor nenhum. Isso deixa-me muito irritado no momento e muito triste enquanto escrevo este texto.
Porque o São Cristóvão é a casa da Maria do Livramento, que serve às mesmas, está atrás do balcão, fala com os clientes, enfim, faz de tudo um pouco. Destaca as paredes com recortes de jornal sobre o restaurante, onde aparecem várias vezes a sua cara em grande plano (“quando era mais nova!”, diz ela, ainda que mantenha hoje o mesmo ar jovial que nas fotos). A meio da noite, com o restaurante cheio – e não é preciso muito, estamos a falar de umas 8 mesas – eis que ela se junta ao guitarrista que tem estado a tocar na sala durante o nosso jantar, e começa um pequeno espectáculo de mornas. O que interessa aqui não é a performance em si, mas sim a entrega, a forma como o fazem sem nenhum objectivo, apenas porque querem partilhar aquele momento com quem está sentado nas mesas. E talvez por percebermos que é tão genuíno, as conversas nas mesas param e há inclusivamente pessoas que se levantam para dançar. Estamos na casa da Maria, por isso fazemos parte da família.
Até aqui tudo bem. E se ficássemos por aqui, as impressões eram maravilhosas! Mas tenho mesmo de falar da comida, porque estamos num restaurante. Num restaurante temático, o que torna a comida ainda mais relevante. E à comida, como já escrevi em cima, falta-lhe a alma que existe em tudo o resto…
O começo é igual em todas as mesas à nossa volta: um pastel de bacalhau e um pastel de milho, ambos bons mas sem surpreender. Não que fosse preciso. Para os acompanhar, sugerem-me que prove o grogue, uma espécie de aguardente feita da cana do açúcar, que não é para todos, acreditem! Para quem não gostar de aguardentes fortes, peçam o pontchi, mais parecido com a nossa poncha.
Para pratos principais, como somos 4 pessoas, pedimos os pratos mais emblemáticos, para dividir e provar de tudo um pouco. E começamos logo pela Catchupa, um prato que adoro, mas que no São Cristóvão desilude um bocado… A questão da falta de “alma” nos pratos tem a ver com a falta de sabor dos caldos, e no caso da catchupa esse caldo só sabe a grão. Falta um toque a carne, falta tempero, falta picante. As carnes e enchidos cumprem, nada a apontar aí, mas o caldo deita tudo a perder. Que pena…
O prato ao lado da catchupa na foto em cima é o Muzongué: um caldo de peixe com batata doce. Assumidamente um prato mais simples, e curiosamente o melhor de todos, porque o caldo estava bem apurado e, mesmo sendo demasiado líquido, tinha sabor. Não sendo nada de transcendente, foi o melhor prato da noite. Penso que isso diz tudo acerca dos restantes…
A Moamba de Galinha foi outra grande desilusão, principalmente porque o raio do molho não sabia a nada! Parecia uma canja de galinha deslavada, sem sabor nenhum, sem sal… Pedi picante para acrescentar ao molho e ficou ligeiramente melhor, mas o facto de esse kick não existir na base acaba por tornar esta moamba em algo bastante desinteressante. 🙁
Por isso mesmo, já calculávamos que o último prato a chegar à mesa também fosse uma desilusão… e foi. O Calulu é uma espécie de moamba mas de peixe e sem os legumes misturados, e novamente o molho era demasiado aguado e sem sabor. Ainda por cima o arroz branco que acompanha o prato também peca por falta de sal, o que significa que nada se destacou. De todo.
As doses até são bem servidas, mas isso não salva os pratos. Nem a simpatia com que nos tratam, nem a música ao vivo, nem mesmo os preços baixos ou o grogue. Tudo o resto é pitoresco e fica na memória, mas a recordação que trazemos dos pratos não é de todo tão positiva.
E porque queríamos mudar essa imagem, pedimos sobremesas, todas as quatro que há na ementa. Ora… também neste campo não ficámos maravilhados. Por um lado, temos a sobremesa mais diferente que é o Doce de Coco, pequenos pedaços quadrados de coco, gulosos. Mas por outro temos uma normalíssima Mousse de Chocolate e um Pudim que até tem a forma de um Boca Doce… :/ O Doce da Casa é igual a todos os doces da casa que existem em todos os restaurantes do Mundo. Ou seja, nada de surpreendente ou típico.
Terminamos o jantar com mais um grogue – beber para esquecer? – e com uma conversa animada com a Maria, onde ela nos explica porque é que não podem condimentar mais os pratos. A sua simpatia é tão grande que quase nos faz esquecer o que comemos. Quase.
Mas o São Cristóvão é daqueles restaurantes que nos ficam “entalados”. Porque queremos muito gostar por ser diferente, porque as pessoas são excelentes, porque o ambiente nos faz querer voltar. Mas depois a comida não acompanha tudo o resto… e nem é porque quem está na cozinha não saiba, é apenas porque não querem arriscar e fazem os pratos a pensar em quem pode não gostar deles como são. Isto, pelo menos para mim, é a lógica errada. A comida genuína tem de ser genuína. Senão não se percebe bem o que é…
Preço Médio: 10€ pessoa (com vinho da casa)
Informações & Contactos:
Rua da São CRistóvão, 30 | 1100-236 Lisboa | 914 752 102