Comida Tradicional Portuguesa… mais para Turistas.
E pronto, aqui vem mais um daqueles títulos que vai, por si só, incomodar algumas pessoas. Mas, caso ainda não saibam, é para o lado que dormimos melhor. 😉 Isto porque desde a sua abertura, foram muitos os bloggers e os “food critics” e essas coisas todas que foram ao Pica-Pau… e tudo o que resulta de lá a nível de conteúdos transforma este restaurante na “última Coca-Cola do deserto”, pelo menos no que respeita a sítios que re-interpretam a comida tradicional portuguesa. Bom… a verdade é que não temos de seguir modas. E não temos de gostar do que todas essas pessoas “gostam”. A vantagem de ter uma plataforma destas é que podemos dar as nossas opiniões, e quem gosta gosta, mas quem não gosta, segue em frente. Simples, não é?
(vamos dar só aqui um compasso de espera para quem se sinta atingido por isto decida se quer continuar a ler ou se prefere seguir em frente)
Bom, aqui temos então o Pica- Pau. Uma das aberturas deste ano com a assinatura do Chef Luís Gaspar (que conhecemos da Sala de Corte) e, acima de tudo, da Plateform, um daqueles grupos de restauração que estão a tentar dominar a cidade. Este Pica-Pau abriu no espaço onde antes estava o Restaurante Pesca (que não sobreviveu à pandemia, mas desconfiamos que também ao conceito demasiado caro e elaborado mesmo para esta zona da cidade), e teve algum buzz na altura do Verão, quando nos parecia que toda a gente que habitava o nosso feed do Instagram ia lá jantar. Pronto, é o que é.
Nós também lá fomos, mais tarde, e num grupo de 5 pessoas que incluía malta que escreve/fotografa restaurantes e ainda cozinheiros. Todos com curiosidade, tal eram as maravilhas que dali se escreviam e publicavam. E entramos à hora marcada, num dia de semana, sendo que nos pedem para esperar um bocado e perguntam se queremos beber alguma coisa. Acedemos, é verdade… mas também é verdade que espreitamos para os dois espaços do restaurante e nenhum deles está cheio. Estratégia para turistas? Talvez.
A entrada é dominada pelo balcão, que remete um bocado para os restaurantes tradicionais ou tascas, e que até podia ser um bom prenúncio… não fosse pelas referências de vinhos e outras bebidas que vamos vendo expostas, e que nos posicionam logo num registo mais sofisticado, ou pelo menos mais exclusivo. Neste balcão há também cocktails, reinventados com algumas bebidas portuguesas, novamente uma boa ideia, que os turistas encaram melhor do que os locais.
Passando a zona do balcão temos uma sala interior, com iluminação amarelada, muitas madeiras, azulejos nas paredes, dois quadros de ardósia com itens do menu de comidas ou bebidas. No fundo, trata-se novamente de uma aproximação às tascas tradicionais lisboetas, mas com estilo e alguma sofisticação. Porque nós estamos habituados a entrar naquela tasca clássica, mas quem nos visita de outros países não arrisca tanto, não é? Finalmente, o espaço do Pica-Pau termina com a zona exterior mas coberta, ideal para dias mais quentes e também nada desconfortável para as noites mais frias. Mas o grande problema nesta zona é a música ambiente, que nos transporta para uma Stradivarius ou qualquer outra loja dessas, com uma playlist de música de dança e com um volume demasiado alto. É estranho, no mínimo, e não tem nada a ver com os espaço nem com o conceito. Enfim…
E agora, a comida. A ementa é constituída por vários petiscos e depois alguns pratos principais, além dos pratos do dia, servidos ao almoço (um diferente todos os dias). Somos 5 pessoas, por isso já tínhamos em mente pedir vários petiscos e pratos para partilhar, numa óptica de provar o máximo possível. Mas uma das pessoas na mesa até conhece o Chef Luís Gaspar, que vem até nós para explicar o conceito do Pica-Pau – comida tradicional portuguesa, feita de acordo com os receituários clássicos – e também sugerir que fiquemos nas suas mãos, que seja ele a escolher o que vamos petiscar. Vamos a isso?
Começamos com o couvert, que traz bom pão e uma excelente ideia. o molho do pica-pau para o molhar! Excelente ideia, e por isso o pão vai logo todo à vida! E seguimos – não percebemos muito bem porquê – com um pratinho de Presunto de Porco Alentejano. Nada a apontar ao presunto em si, mas se estamos nas mãos do Chef e o objetivo é mostrar que o que está a fazer no Pica-Pau é mesmo cozinha tradicional a sério, se calhar as suas escolhas deviam ir mais para os petiscos e não para algo que não é a cozinha do restaurante a fazer. Sei lá, digo eu…
Depois, um dos melhores petiscos da noite: os Peixinhos da Horta, crocantes, bem fritos, nada oleosos, acompanhados por uma boa maionese, se calhar dos melhores que comemos em qualquer tipo de restaurante todo o ano. Mas, ao mesmo tempo, as Iscas de Cebolada, que teriam tudo de bom se as próprias iscas não fossem cortadas demasiado finas e, por isso, percam alguma textura, ficam assim tipo folhas. É boa a molhanga, mas as iscas mereciam melhor tratamento.
Seguindo com outros petiscos que vão chegando à mesa, sempre em pratinhos fofinhos que recriam aquela louça antiga das tascas, com padrões, mas aqui sempre com o nome do restaurante. Estamos a falar de um grupo de restauração que está muito habituado à comunicação e ao marketing, e sabem perfeitamente que toda a gente tira fotografias à comida… logo, à marca. Boa estratégia.
A Saladinha de Polvo é um miminho do Chef e é boa, sem nada a apontar, nem para o bom nem para o mau. Já comemos melhores (mais apuradas) e já comemos muitas muito piores. Por outro lado, os Rissóis de Leitão são muito bons, tanto a massa como o recheio! Ou seja, andamos aqui num registo alto, depois médio, depois alto outra vez… e assim consecutivamente. E, curiosamente, um pormenor que só reparamos quase no final do jantar, quando começam a levantar os pratos: com a excepção do molho de pica-pau, dos peixinhos da horta e dos rissóis, todos os outros pratos do jantar são levantados ainda com comida, sem estarem acabados. Ninguém fica completamente rendido a qualquer um dos pratos, ao ponto de os raspar até ao fim, percebem?…
Os petiscos acabam por aqui, e o próximo prato a chegar à mesa por sugestão do Chef é já um dos principais, o Bacalhau à Brás. Aqui no Pica-Pau feito com lombo de bacalhau confitado, cebolada, batata palha e depois envolvido nos ovos mas sem os deixar ficar demasiado passados, com uma cremosidade que nos remete para as receitas mesmo tradicionais. Ora… vai para trás, pelo menos no primeiro take, porque está tão carregado de sal que está completamente incomestível. Um erro na cozinha, percebemos isso, tanto que a repetição do prato já não tem esse mesmo problema, e deixa-nos então provar um bacalhau à brás cremoso e bem conseguido. Ainda assim, é uma falha grave.
Outra questão que consideramos uma falha é, num restaurante chamado Pica-Pau, não nos ser sugerido o prato com o nome da casa. E estamos nas mãos do Chef, que opta por não nos mandar isso para a mesa. Pronto, é o que é. Mas como somos curiosos, pedimos na mesma. E apenas para percebermos que o Pica-Pau do Pica-Pau não é inesquecível. O molho já o conhecíamos do couvert, nada a apontar, e a proporção de pickles está certa. Em relação à carne, é razoável mas não surpreendente, alguns pedaços muito bons e outros nem por isso. Tínhamos de experimentar, até por uma questão de princípio. E pronto, está feito.
A questão que mencionei em cima, com o facto de quase todos os pratos regressarem à cozinha ainda com algum conteúdo, não está sequer relacionada com o tamanho das doses que, não sendo grandes, também não são especialmente pequenas – ao ponto de nos sentirmos enganados. Estão ali no registo intermédio, e os preços também não são exagerados. Por isso, é mesmo a questão da inconsistência dos pratos que nos fez ficar – a todos – com reticências.
E nas sobremesas volta a acontecer a mesma coisa: referências tradicionais portuguesas, sem dúvida, execuções feitas à regra… mas nenhum destes pratos foi raspado até ao fim, como se faz naquelas sobremesas gulosas. Arroz Doce, Mousse de Chocolate, Farófias e o Pudim Abade Priscos, tudo competente. Se alguma nos ficou marcada na memória (como aconteceu por exemplo com os peixinhos da horta)? Não, nenhuma…
Ou seja, e para terminar, saímos todos do Pica-Pau com mixed feelings, e nenhum a dizer que voltaria em breve. E não voltámos. Não pagámos tanto como estaríamos à espera – até porque nos controlámos um bocado nos vinhos – e isso significa que não há aqui aquela tentativa de aproveitar a zona turística para praticar preços exorbitantes. Mas também não gostámos tanto como achávamos que íamos gostar… e nem há assim uma razão concreta para isso. À mesa chegaram coisas boas e outras longe de ser inesquecíveis. O serviço oscilou entre o simpático e o demasiado intrusivo. A música manteve-se no registo de loja de roupa durante a noite toda, umas vezes mais alta, outras menos insuportável. No fundo, a única coisa consistente deste jantar no Pica-Pau foi a louça, sempre igual e com a marca sempre presente, não vão as pessoas esquecer-se de onde estão.
No fundo, é um restaurante de cozinha tradicional portuguesa… mas para turistas. Aliás, para os turistas da zona. Principalmente porque o ambiente e o serviço o levam para aí. Está longe de ser uma tasca re-inventada como a Taberna Sal Grosso ou O Velho Eurico, onde além da comida se recria o ambiente que as tascas lisboetas sempre tiveram – e alguma ainda têm. E, além de alguma consistência na comida, foi essa falta de ambiente que nos fez achar só… nin.
Preço Médio: 30€ pessoa (alguns petiscos e prato principal a dividir)
Informações & Contactos:
Rua da Escola Politécnica, 27 | 1200-244 Lisboa | 21 269 85 09