Uma “viagem” que vale a viagem!
O trocadilho é propositado. Isto porque demorámos demasiado tempo a ir ao Pateo Real, mas por uma razão muito simples: Alter do Chão fica a quase 2 horas de meia de caminho de Lisboa, e é uma zona para a qual não costumamos ir, por isso ficava muito fora de mão. É certo que até somos daquele tipo de pessoas que não tem grandes problemas em conduzir durante horas para ir comer… mas estávamos sempre a adiar fazer isso e à espera de uma oportunidade, quando andássemos pela zona. Ora, essa oportunidade chegou no fim-de-semana passado. E depois de um almoço no Pateo Real, não só ficámos rendidos como temos a certeza absoluta que vamos voltar, mesmo que de propósito!
O Pateo Real está nas mãos do Chef Filipe Ramalho há uns 2 anos, e desde aí que entrou no “mapa gastronómico” da malta que se movimenta no ecossistema da restauração. Quem lá ia, voltava a dizer que estava muito bom. Quem ainda não tinha ido, ouvia histórias e rumores e ficava com água na boca. Nós pertencemos a este último grupo, sempre a adiar, enquanto a expectativa era cada vez maior. E foi preciso um fim-de-semana na zona do Crato para tomar finalmente a decisão de passar por lá para experimentar.
O restaurante tem duas salas e nós ficámos na térrea, de onde podemos ver a azáfama controlada da cozinha. Não há muitas conversas entre o Chef e os outros dois cozinheiros, e percebemos que não é preciso, conseguimos ver que a mecânica está bem oleada, quase com movimentos coreografados. Na sala somos muito bem recebidos e acompanhados durante toda a refeição, entre apresentações de alguns pratos, sugestões de outros e um claro interesse em saber a nossa opinião. É aquele serviço que está presente sem se impor, percebem? E este cuidado também no serviço mostra que o trabalho que está a ser feito no Pateo Real é bem feito.
E esse trabalho passa em grande parte pela comida que nos é servida. Sabemos que a influência é alentejana – como não poderia deixar de ser – mas também sabíamos que o registo seria mais contemporâneo. Fomos acompanhando as redes sociais do restaurante e vimos os pequenos twists que o Chef Filipe ia dando aos pratos, ao ponto de termos escolhas feitas muito antes de nos sentarmos à mesa no Pateo Real. E uma dessas escolhas foi a célebre Tarte de Farinheira de Castanha com Pêra Bêbeda, um dos pratos mais pedidos da casa e também daqueles que tínhamos mais curiosidade em provar. É curioso que pode ser uma entrada ou sobremesa, não sendo especialmente salgada para a primeira, nem muito doce para a segunda. O recheio tem aquele toque da farinheira sem ser demasiado intenso e as lascas de pêra bêbada em cima adoçam um bocado o conjunto, criando um contraste muito engraçado e surpreendente.
Mas não foi a melhor entrada, porque a seguir chegou à mesa a Orelha de Porco Crocante, que é daquelas completamente viciantes! Tiras de orelha bem fritas, realmente crocantes, com uma maionese de alho assado e um piso de coentros que até podiam não fazer parte do prato, de tão boa que é a orelha. Vamos tirando tira a tira, limpando os molhos, a pensar que este é um petisco que podíamos comer a ver a bola, por exemplo. E também a perceber que a base da cozinha alentejana está aqui toda, só que interpretada de uma forma mais contemporânea. Mas o sabor… esse está ali todo!
Passamos para os pratos principais, onde o primeiro também já estava escolhido, porque era quase impossível ver fotos e vídeos do Bacalhau D’Oro do Pateo Real e não o querer provar! Estamos a falar de uma interpretação do bacalhau dourado, uma espécie de versão alentejana do bacalhau à Brás (teoricamente sem batata palha). Aqui temos uma base desse mesmo bacalhau dourado, só que por cima temos um lombo de bacalhau perfeito, pó de azeitona e um piso de coentros. A apresentação é irrepreensível, mas também é tudo misturado na mesa, mesmo à nossa frente, para que fique mais envolvido. Sabores perfeitos, cremoso mas com textura, enfim… é um prato vencedor, é uma ode à cozinha tradicional alentejana.
Depois do Bacalhau, a nossa ideia tinha sido ir para as Bochechas. Mas quem nos atendeu durante todo o almoço fez-nos mudar de ideias, especialmente pela forma como descreveu tanto as bochechas como o Arroz de Borrego. Fomos para o último. O Arroz de Borrego segue a mesma lógica do arroz de pato, mas não tem nada a ver. Arroz amarelo com açafrão produzido em Alter do Chão, perna de borrego assada e desfiada, e por cima umas fatias de paio do cachaço. Um prato de conforto, não há como explicar de outra forma. Tudo é delicioso, o arroz está cozinhado na perfeição, o borrego desfaz-se, o açafrão da ao conjunto um sabor assim um pouco mais exótico. Foi uma sugestão fantástica!
Uma ressalva para o tamanho das doses, que são maiores do que esperávamos. Quando vais a um restaurante de “autor”, esperas sempre doses mais pequenas e tal… mas aqui estamos no Alentejo, com um Chef alentejano, e as doses são os que esperamos: robustas! Por isso é normal que tenhamos chegado ao final da refeição já quase sem forme para sobremesa. “Quase”, foi o que escrevemos 😉 Pedimos apenas uma, para dividir, e a sugestão foi a Tarte de Amêndoa e Gila, um clássico alentejano, novamente muito bom, uma sobremesa que fecha na perfeição uma refeição que já por si só tinha sido perfeita!
Não houve nenhum digestivo “caseiro” para acompanhar o café, mas não se pode ter tudo. O nosso almoço no Pateo Real habilita-se a ser uma das melhores refeições que vamos ter em 2023, e ficou ainda muita coisa por provar. O que significa que vamos ter de regressar, e provavelmente de propósito, agora que já sabemos como é. O Pateo Real é um restaurante fantástico, e aquilo que o Chef Filipe Ramalho aqui está a fazer é não só dar um novo destaque à comida alentejana em geral, mas também a ajudar a colocar esta zona do Alentejo no mapa, de forma criativa e sem perder o contacto com as raízes. Mestria, cuidado, orgulho na tradição. Um restaurante imprescindível para quem gosta de ser bem atendido e de comida fenomenal.
Preço Médio: 30€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Avenida Dr. João Pestana, 37 | 7440-013 Alter do Chão | 960 155 363