Uma sopa de noodles com muita história.
Vamos começar por falar do “elefante na sala” e tirar logo isso da frente: o nome do restaurante não é o mais “apetecível”. Quando ouvimos falar em Kungfu Noodle, a primeira associação que fazemos é a restaurantes chineses de baixa qualidade, nada muito elaborado. Pode ser preconceito, é verdade, mas é inevitável. É preciso pesquisar um pouco sobre o restaurante, e principalmente sobre a sua especialidade, para perceber que vamos ter uma experiência diferente do que estaríamos à espera, e que aqui no Kungfu Noodle se serve um prato que não encontramos em mais nenhum lado em Lisboa.
Porque mesmo ao entrar no restaurante, que fica ali em Picoas, não somos especialmente surpreendidos. O mobiliário e a iluminação deixam logo perceber que estamos num restaurante chinês, ainda que não tenha decoração demasiado cliché. Individuais com o menu nas mesas, e também um pequeno pormenor delicioso: em cada mesa, duas gavetas escondidas com talheres e pauzinhos, para facilitar o serviço. À chegada, um chá de oferta, para bebericarmos enquanto olhamos para o menu extenso, mas com fotografias para que seja mais perceptível.
Mas, ainda antes de falar da comida, uma curta aula de história, porque estes noodles são os mais antigos do Mundo (os registos apontam para mais de 5.000 anos de existência). Estes Lanzhou Noodles têm o nome da cidade de Lanzhou, na província de Gansu, na China. Esta cidade era uma das paragens da antiga Rota da Seda, um conjunto de percursos que ligavam várias cidades da Ásia meridional e central, usadas no comércio da seda e outras mercadorias entre o Oriente e a Europa e Médio Oriente. Segundo reza a história, durante a dinastia Tang, o povo muçulmano Hui desenvolveu uma variação de uma sopa de macarrão com carne que era compatível com a dieta muçulmana, com ingredientes fáceis de preparar.
Mas a principal diferença destes noodles para os outros que foram aparecendo é que os Lanzhou noodles são completamente puxados à mão, num processo demorado e muito minucioso. Os noodles ficam mais compridos e podem ficar extremamente finos, o que lhes dá uma consistência diferente quando no caldo. A receita desta “noodle soup” difere um pouco de zona para zona, devido à disponibilidade de ingredientes e a outros fatores culturais, mas eram os noodles mais característicos da Rota das Sedas.
No Kungfu Noodle podemos não só saber esta história como ver o próprio processo de preparação dos noodles, que é impressionante por si só. Outra curiosidade é que podemos escolher a espessura dos noodles que queremos, como podem ver na fotografia em cima. Isto faz com que cada pedido seja único, e que os noodles sejam preparados na hora, processo esse que também conseguimos ver através de um vidro. Muito interessante mesmo.
Mas qualquer enquadramento histórico ou preparação na hora deixava de ser relevante se a comida não fosse boa, não era? Ora, claro que provámos o Lanzhou Ramen de Vitela, o prato ex-libris do restaurante, para o qual podemos escolher a espessura dos noodles e também o ponto de picante. A tigela enorme que chega à mesa tem uma apresentação dos ingredientes muito bem seccionada: noodles na base, depois pedaços de carne cozinhada, lâminas de rabanete, óleo de pimenta (o picante) e terminando com as folhas verdes de coentros. O caldo em si é claro, quase transparente, e mesmo esta questão das diferenças de cores de todos os ingredientes faz parte da tradição deste prato. O sabor não é tão intenso como os ramen japoneses, é um caldo ligeiro com alguma gordura, o qual vai sendo absorvido pelos noodles para lhes dar sabor também. Os coentros dão frescura ao caldo, picante qb, e tudo isto faz desta sopa algo muito fácil de comer – o principal desafio é mesmo o comprimento dos noodles, que por ser bastante maior que os habituais, torna o acto de “sorver” num momento muito engraçado.
Ainda quisemos provar uns noodles sem ser em sopa, por isso pedimos o Lanzhou Ramen Salteado. Aqui já temos noodles mais espessos do que na sopa, por isso já não é um prato tão diferenciador. Ainda assim, é muito bem servido e é um prato cheio de sabor. Podia ter mais carne do que tem na realidade, mas como a estrela são os noodles, percebemos a proporção.
E não é só de noodles que temos de falar aqui no Kungfu Noodle, porque a ementa tem um conjunto de outras coisas que são bastante interessantes. São chamadas de acompanhamentos, porque aqui não estamos no registo de entradas e depois pratos principais. E podemos começar logo pelo Crepe de Cebolinho, uma espécie de crepe espalmado e recheado com cebolinho, para molhar em molho agridoce; ou pelos Mini Baozi, uns pequenos buns recheados com carne, que por serem pequeninos fazem com que o sabor fique muito compacto.
Mas o melhor destes pratos extra – ou acompanhamento, se preferirem – foi mesmo o Rou Jia Mo, que é muitas vezes chamado de “hambúrguer chinês”. Um prato típico da rua de algumas cidades chinesas, é um pão que passa pela chapa para ficar crocante, e depois recheado com carne guisada e muito temperada… malta, deliciosa. Aliás, este é daqueles petiscos fantásticos, uma coisa que têm mesmo de pedir quando foram a Kunfu Noodle. Já tínhamos provamos um Hambúrguer Chinês no Ku Wa Zi, mas este é muito melhor, mas muito melhor mesmo!
Terminamos o jantar com duas sobremesas, das quais honestamente não esperamos muito. Lá está, outra vez o preconceito… e levamos com ele na cara, porque são duas excelente sobremesas! Em primeiro lugar, o Fortune Cake, que é um Cheesecake de Matcha, e um fantástico cheesecake! Boas texturas, sabor intenso sem ser muito doce, tudo excelente! E mesmo o Mochi de Limão, que esperamos que seja daqueles pequenos, congelados, iguais em todo o lado, é bastante melhor do que esperávamos. Não é caseiro, mas basta ser um fornecedor melhor para fazer logo a diferença.
No final, ainda falamos um pouco com o dono do restaurante, que nos explica todo o enquadramento histórico e também o cuidado que o Kungfu Noodle tem com os ingredientes e com a preparação de todos os pratos. Esta é uma cadeia já com alguns restaurantes em Espanha, e que agora está a abrir os primeiros espaços em Portugal. E o objetivo é claro: dar a conhecer estes Lanzhou Noodles, que são os noodles mais antigos do Mundo. É certo que o nome pode não dar a entender a seriedade do assunto, nem deixar transparecer o trabalho envolvido na confecção ou mesmo a qualidade da comida. Por isso é que é preciso ir experimentar. E acreditem que não se vão arrepender.
Preço Médio: 18€ pessoa (com cerveja, entrada e sobremesa)
Informações & Contatos:
Rua Sousa Martins, 14 B | 1050-217 Lisboa | 21 352 07 42