Do Japão, com amor.
Há muitas pessoas muito mais estudiosas do que nós, no que respeita à cultura gastronómica e domínio sobre ingredientes e técnicas e whatever. Temos a perfeita noção disso. Mas também temos a certeza de que sempre assumimos que não somos críticos gastronómicos e sim pessoas que gostam de viver experiências em restaurantes. Gostamos de conhecer sítios novos, comidas diferentes, gostamos de nos sentir bem num restaurante. Mesmo que não consigamos descrever à exaustão cada prato e cada técnica e tudo isso. Até porque – a grande maioria das vezes, e cada vez mais – queremos simplesmente aproveitar a experiência que nos é proporcionada. E o Kappo foi uma das melhores experiências que tivemos este ano, sem sombra de dúvida.
A equipa toda alinhada atrás do balcão logo no momento em que entramos faz-nos lembrar os dois únicos restaurantes de sushi a que fomos quando estivemos no Japão. Aliás, todo o ambiente do Kappo faz um pouco lembrar isso mesmo, mas de forma subtil, sem cair nos clichés em que muitos restaurantes japoneses acabam por cair. Porque o Kappo prima, logo à partida, pela subtileza, pela delicadeza em todos os elementos. No espaço, dominado pelo balcão simples, sem artifícios; no serviço, simpático, prestável, que nos acompanha durante toda a refeição sem ser intrusivo, que se adapta às nossas necessidades em cada momento; e na comida, claro, porque estamos num registo de cozinha japonesa de eleição. Mas já lá vamos.
O Kappo não é um japonês típico. Funciona numa lógica de menu de degustação, o Menu Omakase. “Omakase” significa literalmente “ficar nas mãos do Chef”, neste caso a equipa liderada pelo Chef Tiago Penão, com quem nos cruzámos há uns anos na Barra de Sushi do Praia no Parque (entretanto encerrada desde há muito pouco tempo). As comparações são inevitáveis, é verdade, mas acabam por se dissipar à medida que os minutos vão passando, porque as duas horas e pouco que dura o nosso jantar no Kappo são uma viagem que nos deixa surpreendidos, apaixonados, rendidos. E nos faz esquecer tudo o resto.
Não vamos descrever cada momento ao pormenor, nem os pratos ou os ingredientes e as dezenas de técnicas envolvidas em cada pequena peça que nos é colocada à frente. Esta é, mais do que uma viagem teórica, uma viagem sensorial ao Japão, a uma cultura gastronómica que tem centenas de anos mas que está mais viva do que nunca – especialmente pelo respeito extremo pelo produto e a forma de o trabalhar.
E esta viagem no Kappo começa com o momento Sakizuke, que nós conhecemos como entradas, e que parece quase uma brincadeira: uma batalha de tártaros, se quisermos, colocando lado a lado o Mar e a Terra, dois snacks que nos provocam o primeiro “Uau!” da noite. O primeiro de muitos.
Seguimos com proteínas menos consensuais, como o fígado de tamboril ou a ostra, sempre em porções pequenas e quase cirúrgicas, no fundo para nos despertar os sentidos. Duas sugestões muito importantes: ouçam a descrição de cada prato e sigam a sugestão de como o comer, porque faz toda a diferença; e optem pelo pairing de vinhos e sakes, que é verdadeiramente apaixonante e faz todo o sentido em cada momento do menu.
Por falar nisso mesmo, o Mukozuke: no fundo, é o momento do sashimi, mas que no Kappo está longe de ser aquilo a que estamos habituados em restaurantes japoneses normais. Nestes dois exemplos que podem ver nas fotos seguintes há lírio e lula dos Açores, mas não é só o peixe – cortado milimetricamente – é muito mais: a conjugação com outros pequenos elementos do prato dão uma explosão de sabores e texturas a cada em deles. A lula, por exemplo, foi sem sombra de dúvidas a melhor lula que já comemos em qualquer restaurante japonês, pelo bicho em si e por tudo o resto que parece estar ali só para enfeitar o prato mas que na realidade lhe dá uma vida extraordinária. Brilhante!
Ainda continuando no sashimi, segue-se o momento Zukuri, onde temos apenas toro (atum) com maturação de 2 semanas e polvo de Cascais. A acompanhar, dois molhos diferentes, incluindo uma soja ancestral, completamente diferente da soja normal que existe por aí. O ritual da flor de sal e passagem pelos molhos é-nos explicado e seguimo-lo à risca, porque não queremos perder sequer um pormenor desta experiência. Quem está do outro lado do balcão acompanha-nos nesta viagem, serve de nosso guia, com a paciência e dedicação de quem gosta efectivamente do que está a fazer e dos momentos que está a proporcionar.
O momento que se segue é o dos grelhados, ou antes, “alimentos cozinhados em cima do fogo”. É esta a verdadeira definição de Yakimono. E este momento traz-nos dois dos melhores pratos da noite, além de serem pratos dos quais nos vamos recordar durante muito tempo. Visitamos o mar com o carabineiro, depois a terra com a carne de wagyu, e ambas as viagens são de imersão (quase) completa. Os ingredientes são de qualidade altíssima, é verdade, mas a forma como são trabalhados para lhes maximizar o sabor é exímia. Há curtos silêncios à medida que cada uma das pessoas ao balcão vai provando cada um destes pratos, de olhos fechados, num momento de prazer puro.
À medida que o tempo vai passando, precisamos de pequenos momentos de pausa para nos recompor dos sabores que nos são apresentados. E um desses momentos surge na forma de um caldo, o chamado Suimono. Neste caso é um caldo claro, um dashi de berbigão com salmonete cozinhado no carvão só do lado da pele, que serve quase como limpa palato, mas de uma forma extraordinária. Em todos estes pratos existe uma ideia transmitida de simplicidade, que se transforma em algo muito mais complexo à medida que os vamos provando e percebendo melhor. E não há nada mais mágico do que ser surpreendido a cada momento. 🙂
Depois, começamos o momento do menu que mais esperávamos, o Migirizushi. No fundo, o momento dos nigiris, onde os mesmos são explicados e preparados à nossa frente, numa coreografia de mãos perfeita. É um processo metódico, repetitivo, mas extremamente relaxante de ver. A forma como cada pedaço de peixe é moldado ao bloco de arroz é consistente, não há ali qualquer falha. O arroz sempre servido à temperatura ambiente, o peixe fresco, delicioso.
Começamos com peixes mais tradicionais, depois passados aos diversos tipos de atum, com vários estágios de maturação, uma técnica que é cada vez mais vista nos peixes e que tem resultados fantásticos. É verdade que nas fotos parece tudo muito igual, mas cada um destes nigiris é um murro no estômago a nível de sabor e de frescura. Podíamos ficar a noite toda parados neste momento, a ver aquela coreografia e a saborear aquela perfeição.
Ainda quisemos provar outros nigiris, fora do menu de degustação, e tivemos a sorte de não só voltar à lula (aqui com um toque de picante fantástico) como de provar o ouriço do mar, um nigiri fabuloso, com o ouriço a saber mesmo a mar, uma explosão de sabor que se mantém na nossa boca muito depois do momento ter terminado. Não há palavras para descrever isto…
Uma pequena pausa para aborda o tema “louça”. Parece um pormenor que nos acompanha durante os 12 pratos que nos são servidos neste jantar, e no qual reparamos ocasionalmente, mas que vamos interiorizando e acaba por se tornar extremamente relevante na experiência final. A louça utilizada no Kappo é simplesmente maravilhosa, parecendo ajustar-se na perfeição a cada ingrediente, a cada composição, envolvendo-a mas ao mesmo tempo destacando-a. No fundo, quando falamos em experiências num restaurante, tudo isto está incluído: o cuidado extremo com pormenores… que fazem toda a diferença.
Finalmente, o momento… final. Mizugashi é o termo japonês para sobremesa, e nunca é aquele pelo qual mais esperamos nos restaurantes japoneses, já que não é uma gastronomia na qual as sobremesas sejam a estrela de qualquer refeição. No entanto, aqui o Kappo volta a surpreender-nos! Porque tanto a pré-sobremesa como a principal são maravilhosas! Com ingredientes simples mas técnicas complexas, têm elementos japoneses mas depois outros mais internacionais, e por isso acabam por ganhar sabores e texturas inesperadas. Foi a primeira vez que nos aconteceu terminar um jantar num restaurante de cozinha japonesa com chave de ouro. Bravo, Kappo, bravo!
São duas horas de viagem, porque o Kappo serve em dois turnos e esse talvez seja o único reparo que fazemos: a cadência é perfeita menos no momento dos niguiris, que se torna demasiado rápido para conseguir cumprir o tempo. Mas ainda assim, são duas horas que quase nem se sentem, tal é a forma como estamos envolvidos no jantar. O ambiente proporciona isso, o serviço ajuda imenso, a comida é o remate final. E até o “simples” marshmallow de matcha que acompanha o café é esteticamente lindíssimo e super divertido de comer.
Não esperem ir ao Kappo comer sushi em barda. Nem esperem ir ao Kappo à espera de um jantar barato, porque não é. O menu de degustação tem um valor de 110€, com estes 12 momentos, e recomendamos vivamente o pairing de vinho e sake para acompanhar (são mais 100€). Não é para todos os dias, claro que não. Mas nem tem de ser, porque aquilo que o Kappo nos proporciona é uma viagem especial, uma viagem única. Na nossa (humilde) opinião é o mais próximo que qualquer restaurante japonês deste género em Lisboa está de merecer uma Estrela Michelin. Se o pretendem? Talvez… mas o importante mesmo é que esta é uma experiência inesquecível para quem gosta de alta gastronomia japonesa. Ou para quem gosta de ser levado numa viagem através do paladar. Ou para quem gosta de se apaixonar pela comida… que aqui no Kappo é feita e servida realmente com amor. Diretamente do Japão.
Preço Médio: 150€ pessoa (menu de degustação, com 2 copos de vinho)
Informações & Contactos:
Av. Emídio Navarro, 23 A | 2750-337 Cascais | 21 484 41 22