A genialidade está nos pormenores.
Era tentador começar este texto com o trocadilho “é essencial ir ao Essencial”. Mas vou abster-me disso, até porque vamos falar de coisas sérias. Muito sérias, aliás. Porque a cozinha do Chef André Lança Cordeiro é isso mesmo e muito mais: seriedade, perfeccionismo, técnica e, claro, sabor. Muito sabor. Uma cozinha que é praticamente única na cidade de Lisboa, pelo menos desta forma tão genuína. E é tudo isto que faz do Essencial um restaurante que é um caso sério. E também um dos mais interessantes desta nova vaga de restauração que se iniciou um ano antes da pandemia.
Já conhecíamos o Chef André Lança Cordeiro do tempo em que esteve no Local, e já na altura ficámos impressionados com sua cozinha, tanto pelo sabor como principalmente pela apurada técnica que todos os pratos tinham. Aqueles pormenores que às vezes parecem insignificantes são os elementos principais dos pratos que pudemos provar, e isso é algo que se tornou ainda mais evidente agora no Essencial.
Mas demorou muito até irmos finalmente ao Essencial. Se é verdade que nos primeiros meses de existência fomos sempre adiando a visita, depois apareceu um pequeno inconveniente chamado “pandemia” e trocou-nos as voltas completamente. A todos. Os restaurantes fecharam, as pessoas fecharam-se também… e só voltámos a ouvir falar do Essencial quando alguns restaurantes começaram a apostar no take-away.
E aqui é que as coisas começam a ficar ainda mais interessantes! Porque aquilo que o Chef André Lança Cordeiro fez durante o confinamento foi simplesmente brilhante. Ajustou os seus pratos e os métodos de confecção a uma nova realidade e começou a servir para casa pratos a que pouca gente em Lisboa estava habituada. Com o passar das semanas, era ver o Instagram cheio de partilhas de paris-brest, tarte tatin, arroz de forno de carabineiro, pate en croute, croque au truffe e, claro, os pithiviers. Semana após semana, as imagens que íamos vendo faziam-nos salivar, porque tudo parecia delicioso.
Por isso, a nossa primeira interação com o Essencial foi essa, no regime take-away, por várias vezes. Primeiro com as sobremesas, nomeadamente o Paris Brest de Avelã, versão XL (uma coisa simplesmente fantástica), as Rabanadas ou a Galette des Rois de Pistachio (uma maravilha!). Depois, com a decadência em forma de tosta que é o Croque au Truffe, uma tosta com queijo, muito queijo, e trufa, muita trufa. Uma das melhores coisas que comemos na vida!!!
E ainda houve outras coisas como o Arroz de Forno com Carabineiro e umas famosas Cookies de Chocolate e Avelã, que fomos pedindo durante os vários meses do confinamento, nós e largas dezenas de pessoas, e que colocaram o Essencial ainda mais presente no mapa da restauração de Lisboa. Aliás, foi claramente um dos restaurantes que mais rapidamente se adaptou ao formato do take-away, e por isso, sem qualquer surpresa, assim que os restaurantes reabriram, tornou-se muito complicado arranjar lá uma mesa para jantar.
Assim como já acontecia no Local, a primeira coisa que vemos quando entramos no Essencial é que não há uma muralha física entre a sala e a cozinha, o que nos permite ver a espécie de dança coordenada que o Chef André e a sub-Chefe Leonor Sobrinho fazem atrás dos balcões. Entre bancadas de preparação e de acabamento, percebemos claramente esta cumplicidade, mesmo que a maioria do tempo não seja sequer preciso nenhum dos dois dizer nada.
O resto do espaço é a sala, minimalista, quase monocromático. O mobiliário é simples, a iluminação bem trabalhada, tudo com muito bom gosto. Talvez pudesse ser um pouco mais confortável, porque a degustação proposta no menu faz com que o jantar dure cerca de duas horas (ou mais) e as cadeiras acabam por se tornar desconfortáveis a meio. Mas faz parte deste conceito, um formal com informalidade.
Depois, e ainda antes de voltar à comida, é importante destacar o serviço de vinhos, que é do melhor que se encontra em Lisboa. Não só pelas referências em si, mas especialmente porque o Daniel Silva nos apresenta cada vinho como se fosse o mais singular do Mundo, chegando quase a condicionar os nossos sentidos. Aconselhamos vivamente o pairing, porque cada vinho que é servido estabelece uma relação perfeita com o prato que nos surge na mesa, sem se sobressair mas também s ficar para trás. Fantástico!
Por fim, vamos então à comida. Aquilo que vimos vezes e vezes sem conta no Instagram comprova-se, mas a degustação leva-nos a todo um outro nível. No Essencial estamos não só no registo de pratos visualmente estimulantes, mas também tecnicamente perfeitos, ao ponto de conseguirmos perceber a diferença que faz cada pormenor. A base da cozinha é claramente francesa, com técnicas apuradas em cada prato. Não há grandes descrições na ementa, apenas os ingredientes base, e praticamente tudo chama a atenção. Aqui podemos optar por um de dois menus de degustação, que variam no número de pratos, e o maior permite-nos provar a quase totalidade da ementa. Que é exactamente o que fazemos.
O couvert mais ou menos “simples” serve apenas para nos preparar para o crescendo de complexidade dos pratos que vão chegando à mesa. Não há um exagero de ingredientes em cada um, porque não são precisos. Há, sim, um trabalho minucioso em extrair os melhores sabores de cada produto e conjugá-los em pratos que, como já escrevemos antes, são visualmente muito bem trabalhados.
E se começamos com algo aparentemente fácil de reproduzir em qualquer lado como o Salmão Fumado (no restaurante) com Crepes de Vonnas (pequenos crepes feitos à base de puré de batata), seguimos com a Tarte de Espargos, que é um pequeno snack fantástico! Uma base de tarte perfeita com espargos frescos e laminados por cima, e ainda folhas de rúcula e lascas de parmesão. Uma entrada fresca, de Verão, mas onde percebemos os sabores todos e como se conjugam.
Os pratos vão surgindo na mesa com a cadência ideal para nos permitir terminar o vinho correspondente, sem ser demasiado depressa ou devagar. O Ouriço e Carabineiro é isso mesmo, um ouriço com uma espuma de carabineiro, um prato que sabe a mar, que nos transporta para uma qualquer praia da riviera francesa. O que acontece também com a entrada seguinte: Crepes de Sarraceno, com Ovas de Arenque e Hollandaise de Ouriço do Mar, outra vez quase um snack, mas um prato cheio de sabores e texturas diferentes.
Para terminar as entradas, as duas mais esperadas (e das melhores, sem dúvida). Primeiro, uma combinação que nunca poderia falhar: Foie Gras, Cantarelos e Brioche. Um belo naco de foie, perfeito, um brioche fabuloso para absorver o molho e os cogumelos, que trazem textura e sabor ao prato. E, claro, o célebre Pâté em Croute, um paté de porco preto e foie gras com vegetais pelo meio, formado dentro de uma massa salgada que depois vai ao forno. Explicação demasiado simplista para algo com um sabor tão complexo e diferente, mas há coisas que mais do que explicadas têm mesmo de ser provadas. No prato temos ainda dois purés fantásticos, um de cenoura e outro de pêra, que elevam o sabor do paté a um nível ainda mais interessante. Estas duas entradas são completamente imperdíveis!
Num momento em que já nos faltavam adjectivos para classificar os pratos (e já estávamos também satisfeitos a nível de quantidade), fazemos nova troca de vinhos para acompanhar os pratos principais. E começamos por aquele que já nos andava a fazer crescer água na boca há alguns meses, o Pithiviers. Explicações? Ok, vamos tentar… No fundo, é uma espécie de um “bolo” de massa folhada, recheado com o que quisermos. Cozinhado no forno, o recheio fica suculento e a massa folhada crocante, como se quer. Nunca tínhamos ouvido falar, assumimos a nossa ignorância, até começar a aparecer nas stories de Instagram do Chef André… e ficarmos a babar! No menu do Essencial existiam 3 versões, mas já sabíamos qual íamos escolher. O Pithiviers de Lavagante vem acompanhado com uma bisque do próprio bicho e alguns legumes, mas até podia vir no prato sem mais nada! O sabor é simplesmente fantástico, a massa folhada está perfeita e dá a crocância ao prato, que é intenso e rico, é uma maravilha. É daqueles pratos – mais um aqui no Essencial – que qualquer descrição não se aproxima sequer do que está aqui envolvido. E também onde não se encontra um pormenor que não esteja pensado. Magnífico!
Mas ainda faltavam dois pratos, e escolhemos estes porque o Arroz de Forno com Carabineiro já tínhamos provado em regime de take-away. Ambos parecem pratos mais “simples”, mas escondem não só diferentes níveis de sabor como também as técnicas apuradas a que o Essencial nos habitua desde a primeira entrada. O Peixe-Galo é acompanhado por uma Tartelete de Legumes simplesmente fantástica, com o tomate a dar alguma doçura os restantes legumes e a a criar o contraste necessário com o peixe. E o Porco e Batata Ratte traz-nos um lombo cozinhado na perfeição e banhado no jus da própria carne, acompanhado desta espécie de puré de batata, cremoso e muito saboroso.
Mas se um jantar normal não está terminado sem a sobremesa, no Essencial essa é aquela parte da noite de que acredito que todos estão à espera. Porque se em todos os outros pratos conseguimos ver claramente a mestria desta equipa de cozinha, é nas sobremesas que o Chef André Lança Cordeiro brilha verdadeiramente. E, correndo o riscos de sermos repetitivos, brilha por causa das técnicas apuradas e, claro, dos sabores do outro mundo!
O Paris-Brest de Pistácio e Yuzu abre as hostilidades de forma perfeita, porque é uma sobremesa fantástica. Já tínhamos ficados fãs da versão XL de take-away (que era de avelã), e agora ficámos completamente apaixonados por este. Como sempre, a massa é perfeita, o recheio é BRUTAL… tudo é BRUTAL! Faltam adjectivos para descrever isto.
Outra das sobremesas da carta é mais fresca, o Arroz Doce de Baunilha com pedaços de maçã Granny Smith. Novamente estamos num registo de excelência a nível técnico, o que resulta numa sobremesa cheia de texturas e nuances.
E, agora mesmo para acabar, o tão esperado e falado Mil-folhas e Caramelo Salgado. O Mil-folhas do Essencial é assim de caras uma das melhores sobremesas que comemos na vida. Pronto, está tudo dito! É leve, tem textura, tem um contraste fantástico de sabores, tem tudo aquilo que imaginamos que pode existir numa sobremesa perfeita. Porque é isso mesmo: uma sobremesa perfeita e uma final perfeito para um jantar… perfeito.
Este texto vai quase tão longo como foi o nosso jantar no Essencial, mas pelo menos lá o tempo passou quase sem percebermos. Mais uma vez reforço que isso se deve muito ao serviço e especialmente à cadência perfeita na chegada dos pratos à mesa, mas também porque quando se está bem, não sentimos o tempo a passar. Um jantar no Essencial é uma experiência, uma viagem. Não precisa de ser tão luxuosa ou exclusiva como noutros restaurantes, porque o Chef André Lança Cordeiro não parece ter esse tipo de pretensões. Mas é uma experiência única por causa dos detalhes, por causa de todos os pequenos pormenores que fazem parte dos pratos e de todas as técnicas de confecção, às quais não estamos assim tão habituados (ou pelo menos, habituados a que sejam bem executadas).
Por isso, termino este texto a escrever exactamente aquilo que comecei a dizer que não ia escrever: é mesmo essencial ir ao Essencial. Pelo menos uma vez. Mas depois de irem, vão querer voltar, de certeza.
Preço Médio: 60€ pessoa (menu de degustação mais pequeno, com vinho)
Informações & Contactos:
Rua da Rosa, 176 | 1200-390 Lisboa | 21 157 37 13