No reino da criatividade pura!
Há poucos restaurantes que nos deixem realmente de boca aberta, e logo desde o início do jantar. Assim como há poucos Chefs a quem reconheçamos tão facilmente e imediatamente o brilhantismo. Há muita gente criativa a cozinhar em Lisboa, mas a verdade é que só há um Hugo Brito. Assim como só há um Boi-Cavalo. E ainda bem, porque no meio do panorama gastronómico mais ou menos formatado de Lisboa, é excelente haver um Chef e um restaurante que se estejam a borrifar para modas, rótulos, tendências… whatever!
Quem passa nesta rua no meio de Alfama percebe onde é o restaurante por causa do neon que ilumina a montra. Mas quem não conhecer, está longe de perceber que o que se passa neste espaço onde há muito tempo existia um talho é muito diferente da comida que é servida nas portas ao lado, nos restantes restaurantes da rua, completamente vocacionados para o turismo. Aqui estamos num registo diferente, mas de quase tudo o que se encontra por Lisboa, estamos num registo de comida portuguesa com inspirações de todo o Mundo, mas onde impera a criatividade sem limites. Entre estas paredes que parecem frias há pratos que nos aquecem a alma, que nos transportam para sítios e, acima de tudo, que desafiam os limites daquilo que achamos ser possível fazer com os ingredientes e as técnicas.
Aquilo que o Hugo Brito faz no Boi-Cavalo há quase uma década é algo único em Lisboa. Goste-se ou não se goste do registo, sobre esta verdade absoluta não há qualquer discussão. Pelos produtos usados, pela forma como os trata e conjuga, pela apresentação, por tudo. Mas principalmente pelas ideias mirabolantes que lhe passam pela cabeça e que ele faz questão de transformar em pratos absurdamente surpreendentes e absolutamente magníficos. Por isso, olhar para a parede onde está escrita a ementa é sempre um exercício de adivinhação, porque as descrições são enigmáticas ao ponto de querermos provar tudo.
Aliás, o Boi-Cavalo é daqueles restaurantes para visitar com alguma regularidade, porque o que o Hugo Brito faz é destacar o produto, sempre, e por isso a ementa muda regularmente, tendo em conta a sazonalidade ou simplesmente o que se encontra no mercado diariamente. Os pratos vão sendo escritos numa das paredes do restaurante, para que toda a gente possa ler, mas descritos de forma simplista, apenas com os ingredientes base, para deixar à imaginação de cada um aquilo que vai ser servido. Este factor de “mistério” que rodeia cada prato aguça-nos ainda mais o apetite, e faz dos pratos uma experiência no mínimo emocionante e surpreendente. E sempre diferente, claro.
Por isso é que podemos encontrar a Amêijoa com Caril Verde e Foie Gras, que é um daqueles pratos que nos vai fazer esquecer tudo aquilo que sempre soubemos sobre como comer amêijoas. É um prato quente, de conforto, com o caril e especialmente o foie gras a dar um sabor intenso e “carnudo” à amêijoa. Uma delícia! Ou, por outro lado, o Romanesco com Couve-flor e Strogonoff, um prato mais leve, mais delicado a nível de sabores, com a couve-flor a ser trabalhada de forma a ser a estrela do prato… uma coisa que não se vê muito frequentemente. Aliás, como quase tudo o que sai das mãos do Hugo Brito.
Ou, por exemplo, estes Gnocchi Parisienses com Baunilha e Atum Seco, que estiveram numa luta muito renhida pelo título de “Melhor Prato da Noite” com o Arroz de Tomate de que falamos a seguir. E, num restaurante onde a ementa está cheia de pratos vencedores, isto diz tudo, não? A textura dos gnocchis é perfeita e, com enorme surpresa, o sabor doce da baunilha resulta muito bem, com o atum seco a quebrar um pouco a doçura. Um prato equilibrado, que às vezes lembra uma sobremesa, mas que no final se percebe claramente que é um prato salgado.
Os pratos mudam com a regularidade de que falámos em cima, e nem todos estão escritos na parede. Porque o Hugo acorda um dia de manhã e pensa que seria engraçado experimentar, por exemplo, fazer um Arroz de Pato à Pequim. Isso mesmo! Um arroz cremoso que sabe mesmo a pato à Pequim, servido com uma perna do bicho, bem tostada, excelente. Ou, por exemplo, um Brioche com Couve Coração e Harissa, um dos vários pratos no Boi-Cavalo que nem se percebe que são vegetarianos, tal é a conjugação de sabores e texturas, as diversas camadas em cada prato.
E ainda assim, os pratos que vão surgindo na mesa não têm sequer muitos ingredientes. Têm sim técnicas apuradas e conjugações das quais não nos lembraríamos por mais que tentássemos. É por isso que um prato que está descrito na parede como “Arroz de Tomate e Jalapeños” nos deixa com água na boca de imediato, além de nos despertar uma curiosidade gigante. Resultado? Um prato perfeito! Um arroz de tomate cremoso e delicioso, onde se junta uma espécie de pesto de jalapeños que equilibra na perfeição o doce e o picante. Mais um daqueles pratos que é impossível descrever, porque não há palavras que o expliquem.
Não estamos num registo de entradas ou pratos principais, nada disso. No Boi-Cavalo, a ideia é que tudo seja para partilhar, para que toda a mesa possa explorar os sabores que cada um destes pratos contém. E, sejamos sinceros, olhar para eles, fotografá-los. Porque os pratos que o Hugo Brito vai criando, além das dimensões de sabor, exploram também a dimensão visual, com empratamentos no mínimo brilhantes! Vejam em cima a Cavala dos Açores com Recado Negro e Funcho, um prato que não só é delicioso como merece todas as fotografias que circulam no Instagram!
Assim como a Codorniz com molho Hoisin e Cebola, com as pequenas aves dispostas de forma a que parece que nos querem abraçar, carne muito tenra, cheia de sabor, para comer com as mãos. Ou mesmo a Bochecha de Porco, aqui grelhada e servida com um Relish de Farinheira que, mesmo sendo o prato mais “normal da noite” (e na verdade, de normal não tem nada), seduz-nos logo à primeira vida, com as cores contrastantes e a forma como os elementos estão dispostos no prato. E sim, é muito bom também!
As sobremesas, como não podia deixar de ser, seguem o mesmo registo “experimental”, com ingredientes e conjugações que estão longe do esperado… mas que resultam em sabores fenomenais! Na fotografia em baixo podem ver o Leite Creme de Azeite, que é servido com uma telha de azeite também e é uma sobremesa viciante e surpreendente; ao lado, um Arroz Doce de Laranja também reinventado, porque não podia ser apenas uma sobremesa “normal”. E, em baixo, um Sundae de Folha de Figueira servido com um Toffee de Caramelo. São ideias que o Hugo vai tendo e que vai testando até ficarem de acordo com as suas expectativas, e para as quais nós servimos também quase como “cobaias”. Mas, sejamos honestos: ter a oportunidade de provar estas experiências é provavelmente das melhores coisas do mundo, não acham? 😉
No fundo, um jantar no Boi-Cavalo é como entrar numa laboratório, onde uma espécie de “cientista louco” faz todo o tipo de experiências que resultam em obras de arte maravilhosas. Não há ninguém como o Hugo Brito no panorama da restauração nacional, e isto é algo que já acontece há bastantes anos. A procura constante de testar conjugações diferentes, de explorar produtos de forma inusitada, de criar pratos surpreendentes e inesquecíveis faz do Boi-Cavalo um dos restaurantes mais interessantes e imperdíveis de Lisboa. Estamos no reino da criatividade pura, sem limites. Pode até não ser para toda a gente, como as obras de arte também não são consensuais. Mas, na nossa opinião, não há nada igual a isto!
Preço Médio: 35€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Rua do Vigário, 70 B | 1100-616 Lisboa | 938 752 355