ARMAZÉM DA ALFÂNDEGA (Aveiro)

Em Aveiro há muito mais que ovos moles…

 

Descentralização. Um termo muito utilizado num contexto político, mas que tenho utilizado cada vez mais no que respeita a restaurantes. Isto porque é comum dar mais destaque a restaurantes em Lisboa ou no Porto, do que a outros noutras zonas do país. Sejam eles restaurantes clássicos ou novidades. E a realidade é que há muita coisa interessante um pouco por todo o País, até com conceitos inovadores e surpreendentes.

É por isso que, porque andamos várias vezes fora de Lisboa em trabalho, temos aproveitado para ir à procura de restaurantes diferentes, fora da nossa zona de conforto geográfica. E o Armazém da Alfândega, em Aveiro, era daqueles onde já estávamos para ir há bastante tempo.

Conheço o Chef Daniel Cardoso desde a sua participação no MasterChef Portugal, e fui acompanhando a sua evolução no mundo da restauração. Desde o projecto Le Moustache até à abertura do Le Moustache Smokery, na Praça das Flores, em Lisboa (podem ler aqui a review, ainda que o restaurante já tenha fechado). E por isso, quando há cerca de um ano o Chef se mudou para Aveiro para abrir este Armazém da Alfândega, fiquei extremamente curioso em ver o resultado.

Mesmo no centro da cidade, o Armazém da Alfândega até pode passar um pouco despercebido para quem passa de carro, especialmente à noite. Mas quando entramos porta adentro, o cenário é completamente diferente. O restaurante não é muito grande, mas é completamente dominado pelos dois murais nas paredes livres. Duas paredes que nos captam a atenção logo desde a entrada. O espaço é moderno, com iluminação forte, mobiliário diferente de mesa para mesa e um balcão com muitas garrafas em destaque – um espaço que, se abrisse no centro de Lisboa, seria daqueles muito trendy e “instagramáveis”. Em Aveiro é tudo isso… mas numa escala local.

O que o Chef Daniel Cardoso sempre mostrou foi uma vontade enorme de explorar um lado mais criativo da cozinha, com referências americanas e asiáticas a misturar-se com as da cozinha tradicional portuguesa. E é isso que faz na perfeição no Armazém da Alfândega, sem qualquer tipo de restrição. Por isso, e porque a carta é maioritariamente dominada pelos pratos para partilhar, sugere-se sempre uma degustação. Vamos a isso! 🙂

Enquanto preparam o primeiro prato, vamos picando o couvert, por si só já bastante fora do comum: um pote de queijo curado e uma manteiga de alho fumado para acompanhar um delicioso pão de cerveja, jalapeño e bacon… e uma brincadeira muito séria e viciante, que são as pipocas de azeitona.

Depois, ficamos então nas mãos do Chef. E a primeira coisa que nos trazem para a mesa são as ostras com ovas de pancho voador (que ficam verdes por causa do wasabi). Pessoalmente passo sempre ao lado das ostras, não por não gostar mas porque acho que são sempre iguais. Ora, estas não são! As ostras são fresquíssimas, grandes, mas ficam espectaculares com as ovas e o toque de wasabi, um pequeno picante que fica na boca depois de terminado o prato.

Logo a seguir, os tacos de peixe. Ora, quando lemos na ementa não nos chamaram a atenção, porque já comemos várias vezes tacos de peixe, ora com o dito cru ou então frito. Aquilo que não esperávamos é que estes tacos de peixe trouxessem um lombo de robalo breaseado na perfeição, que resulta muito bem com o pico de gallo. Um prato que parece tipicamente mexicano mas que tem um twist nacional que o transporta para toda uma outra dimensão!

Nos timings certos, os pratos vão chegando à mesa, sempre com uma apresentação irrepreensível (ao que ajuda a louça muito bem escolhida). O seguinte é o bacalhau com 4 texturas de cebola (caramelizada, frita, desidratada e salteada). À chegada à mesa não percebemos muito bem naquilo que vai resultar, mas depois o ovo é envolto na cebola e quando provamos… parece bacalhau à brás! O sabor está todo lá, a crocância também, mas sem a batata. Conseguimos distinguir as diversas texturas, num prato que é tão próximo da cozinha tradicional mas ao mesmo tempo tão distante. Maravilhoso!

A codorniz piri-piri, acompanhada de puré de aipo e bolinhas de wasabi faz a transição para as carnes, e não deixa de ser um prato engraçado visualmente, ainda que seja o mais “normal” desta degustação. A codorniz não é um bicho que agrade a toda a gente, e esta até está cozinhada no ponto, com um bom toque picante, sendo que o melhor do prato é mesmo o puré de aipo. É tudo uma questão de comparação: no meio dos restantes pratos desta degustação, este foi o menos surpreendente.

Felizmente voltamos ao nível altíssimo com o veado com molho de pimenta rosa. Uma carne que também não é fácil, mas que está no ponto perfeito! Não só a carne é deliciosa, como o molho de pimenta rosa se mistura com o líquido dos pickles e cria um novo molho maravilhoso para a carne. Um prato muito mais fresco do que estávamos à espera, e um fecho perfeito para a degustação.

As fotos podem dar a entender que as doses são pequenas, mas nada disso. E esta degustação é mais do que suficiente para duas pessoas, completa-nos tanto pela quantidade como pela qualidade. Mas, claro, tínhamos de terminar com uma sobremesa…

Já conhecia a pavlova, que é uma das especialidades do Chef Daniel Cardoso, por isso a opção foi outra, algo que nos deixou curioso desde o início: o “tira-me raivas” é a variação de um tiramisu mas com uma base de raivas (para quem não sabe, as raivas são um biscoito de manteiga típico da zona). Uma sobremesa muito interessante e gulosa, que consegue fazer-nos lembrar o tiramisu clássico, mas novamente com um twist local e contemporâneo.

Honestamente, já esperávamos ser surpreendidos, porque foi a isso que a cozinha do Chef Daniel Cardoso nos habituou. Mas o que não esperávamos era que tudo fizesse tanto sentido. Desde a comida, ao espaço, às bebidas, tudo no Armazém da Alfândega está integrado e resulta numa experiência completa e muito muito boa!

Acima de tudo, aquilo que sentimos neste restaurante é uma vontade e capacidade enormes de fazer coisas diferentes, de desafiar os clientes através do sabor e da apresentação. E por isso não interessa nada se o restaurante é em Aveiro ou em Lisboa ou no Porto ou noutra cidade qualquer. O facto de ser em Aveiro até faz com que resulte melhor na ligação intrínseca que há entre produtor e produto final, e só por isso já merece uma visita!

O Armazém da Alfândega é provavelmente um dos restaurantes mais interessantes que conhecemos este ano. E é um restaurante que, continuando a desafiar-nos desta forma, vai rapidamente entrar no mapa gastronómico nacional.

Aliás, um dos individuais de mesa diz tudo o que precisa de dizer em relação ao Armazém da Alfândega: “don´t just live your life, set it on fire!” O que é como quem diz “arrisca!”… e aqui arrisca-se muito e com excelentes resultados! 😉

 

Preço Médio: 30€ pessoa (menu de degustação, com vinho)
Informações & Contactos:
Largo do Rossio, 1 | 3800-246 Aveiro | 966 058 214

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1 comentário em “ARMAZÉM DA ALFÂNDEGA (Aveiro)”

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