Petiscos portugueses, com preços europeus.
Deve ser difícil alguém pegar num restaurante que já tem alguma história e transformá-lo em algo diferente. Atenção, as diferenças podem nem ser muitas a nível da tipologia ou da comida, mas basta estarem pessoas diferentes à frente do restaurante para o cliente habitual sentir a diferença. Há os que gostam, os que deixam de gostar, ou ainda os novos clientes, que não conheciam o espaço antigo e para quem o novo espaço é um primeiro contacto. Isto aconteceu, por exemplo, com O Velho Eurico, logo quando o Zé Paulo e resto da equipa pegou no espaço e o transformou numa das tabernas modernas mais populares de Lisboa; ou, por outro lado, com o Andorinhas, na Ajuda, que fez o percurso contrário, porque era um clássico da zona com a gerência inicial… mas com o passar dos anos e as várias mudanças de gerência, tornou-se num restaurante banalíssimo, para não dizer abaixo da média.
Tudo isto por causa da Antiga Camponesa, restaurante ali na zona da Bica/Bairro Alto.
Ora, eu era cliente relativamente assíduo da antiga Camponesa, onde agora existe a Antiga Camponesa. Parece complicado, mas é simples: a antiga Camponesa chamava-se só Camponesa. Mas, quando no ano passado o espaço foi comprado pelo Chef André Magalhães (da Taberna da Rua das Flores, uns metros abaixo), a opção foi assumir o nome e acrescentar-lhe o “Antiga”, quase como uma homenagem ao espaço anterior. Mudou-se a decoração (mais minimalista), o mobiliário (mais alinhado com o imaginário das tascas modernas, com mármores e madeiras), a iluminação (mais clara) e manteve-se o registo de comida portuguesa, agora numa óptica mais virada para a partilha – uma taberna moderna, portanto. Ou um “restaurante de bairro”, que é a tendência de 2024. Enfim…
A verdade é que fomos à Antiga Camponesa mais do que matar saudades de um espaço que já não existe. Fomos lá porque seguimos o restaurante no Instagram e os pratos que vão aparecendo parecem-nos sempre muito interessantes. E é isso mesmo que sentimos quando damos a primeira vista de olhos à ementa, que é relativamente curta em cada uma das secções. É bom, porque orienta-nos a escolha, e no caso deste jantar ainda melhor, porque somos um grupo de seis pessoas e assim conseguimos provar praticamente todos os pratos da ementa.
Começamos por pedir o couvert, que traz um bom pão, uma tapenade simpática e uma pasta tipo manteiga mas de anchovas, que primeiro se estranha e depois acaba por se entranhar. Pedimos também um pratinho de enchidos, que fica um pouco aquém do que esperávamos a nível de variedade. E ainda nos é trazido um “miminho” do Chef, umas cabeças de lulinha bem engraçadas, um snack que não esperávamos mas que fica sempre bem para abrir o apetite.
Seguem-se as entradas, ou seja, vários petiscos para entreter. As bases remetem para a cozinha tradicional portuguesa, sem dúvida, mas depois há pequenos twists na confecção, num ou outro ingrediente ou mesmo na apresentação, que nos fazem lembrar que na cozinha não está uma senhora de 60 anos que fez isto a vida toda, mas sim um Chef inglês relativamente jovem e viajado. Nada contra uma nem o outro, ok? São é registos diferentes.
E isto para ilustrar, por exemplo, a Língua de Coentrada, que é uma das primeiras entradas que queremos provar, mas que depois não é bem o que promete… A língua está muito boa, mas depois tem pouco alho e quase nenhuns coentros, por isso sabe zero a uma coentrada tradicional. É um bom petisco, mas não é o que promete. Assim como também ficamos um pouco desiludidos com a Espetada de Molejas e Bacon, porque as molejas não têm grande sabor, não se destacam principalmente quando comparadas com os cubos de bacon. É pena…
Melhores são a Açorda de Caranguejo, textura perfeita e bem recheada do bicho; e a Cenoura Assada com Clementina em Conserva, uma salada fresca e divertida. Não ficamos surpreendidos, é verdade, mas aqui já começamos a perceber que talvez a descrição dos pratos nos tenha feito elevar expectativas para níveis mais altos do que devíamos ter.
Entramos depois nos pratos principais, onde vemos apenas uma ligeira diferença no tamanhos das doses. É o principal problema destas tabernas modernas: a lógica de partilha implica sempre doses pequenas, o que por seu lado implica que se peça sempre mais do que um prato por pessoa. Dá para experimentar mais coisas, é verdade… mas acaba sempre por ficar mais caro. E no final é isso que fica na memória, não é?
Nem é por termos uma pessoa vegetariana na mesa que pedimos a Abóbora Frita com Cogumelos Selvagens e Queijo Picante, é mesmo porque a descrição nos deixa com água na boca. Mas, infelizmente, é mais a descrição do que o sabor do próprio prato. A abóbora frita resulta tipo tempura e até é interessante, mas depois os cogumelos têm pouco sabor e o queijo picante… não se sente de todo. E no espectro oposto da proteína, o Leitão com Batatas Fritas e Salada de Laranja, que é sem dúvida um bom leitão, mas que peca pela comparação com outros restaurantes que têm leitão assado muito melhor, mais típico. Se é bom para os turistas que ocupam as restantes mesas da Antiga Camponesa nessa noite? Sim, é óptimo.
Do outro lado da mesa, os dois melhores pratos da noite, com uma distância significativa. Temos o Pampo Grelhado com Xerém, excelente o peixe, mesmo no ponto certo, mas fabuloso o xerém, dos melhores que temos comido, com um sabor intenso a mar, uma delícia! E ainda a Dobrada com Grão, que mesmo acompanhada de um arroz branco desenxabido, é uma dobrada maravilhosa! Texturas, sabor, molho excelente que ainda fica melhor com o picante caseiro (que nem pica muito mas tem aroma). Dizia-se na mesa que é das melhores que se encontram em restaurantes mais “modernos” em Lisboa… e provavelmente é mesmo verdade. Até porque não está a senhora de 60 anos na cozinha, e isso dá ainda mais valor a esta dobrada da Antiga Camponesa.
Vamos a mais de meio do jantar e as opiniões entre os seis são mais ou menos unânimes: alguns pratos interessantes, dois em claro destaque, outros que decepcionam um pouco. E mais unânime ainda é o facto de estarmos ainda com fome, por causa dos tamanhos destas doses para partilhar. Por isso é normal que, quando nos perguntam, digamos que sim, queremos sobremesas. Uma de cada, sff. Mas que voltam a ter altos e baixos…
Começamos pelas Farófias, normalíssimas, sem nada a apontar tecnicamente, mas longe de serem das melhores que já comemos; e depois o Queijo de Cabra da Massuça com Chutney, que não tem nada que enganar porque é o que é. Depois temos outras duas sobremesas que estão um pouco mais alinhadas pelo que acontece noutros pratos, ou seja, que têm algum twist sobre a receita tradicional: a Quejiada, que leva noz e açúcar queimado no topo, por isso tem um quê de leite creme; e a Tarte de Lamego é servida com merengue no topo, o que a torna um bocadinho confusa, pelo menos aos nossos gostos.
No final do jantar, pagámos 45€ por pessoa. E atenção, bebemos 2 garrafas de vinho, das mais baratas, e éramos seis pessoas, o que significa que, na realidade, nem deu um prato principal por pessoa. É verdade que o sítio é giro, que há ali pratos bastante bons e ainda que a matéria-prima está cada vez mais cara… mas ainda assim é um preço alto a pagar por doses tão pequenas – com a excepção do leitão, se tivéssemos pedido apenas qualquer um dos outros pratos principais, teríamos ficado com fome. E isto é cada vez mais uma tendência nestes apelidados “restaurantes de bairro” (que estão para os restaurantes tradicionais como as tabernas modernas estão para as tascas antigas): apresentar pratos que associamos com a cozinha tradicional, com um ou outro twist a nível de confecção ou apresentação, mas em doses muito mais pequenas, para promover a partilha. E depois, vinhos inflacionados. o que resulta sempre numa conta elevada…
A Antiga Camponesa não é um mau restaurante, nada disso, nem sequer dentro deste registo em que se insere. Há produto de qualidade, há bons pratos e boas ideias, além de um espaço bem cuidado. Mas é um restaurante para turistas, pronto. Para lhes apresentar comida portuguesa, é certo, mas a preços que são mais confortáveis para eles do que para muitos locais. Especialmente quando ali à volta até há vários restaurantes tradicionais e tascas onde a comida é mais barata e tem outra alma. Pessoalmente, eu prefiro esses… assim como preferia a antiga Camponesa.
Preço Médio: 35€ pessoa (com vinho, mas a copo)
Informações & Contactos:
Rua Marechal Saldanha, 25 | 1200-259 Lisboa | 21 347 1515