Uma história de amor… vegan.
Este título tem dois pormenores muito importantes, e percebemos que o possam ser para pessoas diferentes. Por um lado, a parte do vegan será determinante para muita gente, porque estamos a falar de um restaurante italiano completamente vegano. Mas para nós o mais importante no Al Sanpietrino Trattoria não foi isso, de todo… Mais do que o conceito, os ingredientes ou a confecção dos pratos, o Al Sanpietrino Trattoria é uma história de amor entre duas pessoas, a Kajsa e o Alex, que deixaram tudo para trás e arriscaram em abrir um pequeno restaurante familiar em Alfama, onde fazem aquilo que gostam de fazer e onde partilham esse amor com quem os visita. Duas pessoas que resistiram à pandemia, às vagas turísticas, a todas as dificuldades… e que partilham o que têm e sabem com quem entra naquele pequeno espaço. Partilham uma história de amor que se sente à flor da pele, e que nos deixa apaixonados também.
E este é um amor que se sente quando se entra naquele pequeno espaço, num beco em Alfama, uma porta sem qualquer indicação exterior. É a Kajsa que nos recebe, logo nessa mesma porta, sempre com um sorriso na cara, umas boas-vindas reconfortantes numa noite chuvosa. E essas boas-vindas vão inclusivamente mudando o idioma consoante a nacionalidade do cliente: português, inglês, alemão, italiano… são vários os idiomas para receber os convidados nesta casa que é deles e de todos nós que por lá passamos.
Esta é efetivamente a casa da Kajsa e do Alex, e ouvimos esse amor em cada palavra que nos dizem, desde a apresentação dos pratos até às despedidas finais. É impossível fazer uma refeição no Al Sanpietrino Trattoria sem sentirmos que fazemos parte da família, a família deste casal maravilhoso e uma família muito maior, aquela que eles tocam sempre que os acolhem no restaurante.
Sentimos o calor de casa, numa sala que não dá para mais de 12 pessoas, mas onde tudo desde a decoração à iluminação, parece pensado ao pormenor para nos fazer sentir num qualquer vilarejo em Itália, mas não num restaurante e sim na casa de uma avó. Há um misto de simplicidade e bom gosto, e talvez por isso mesmo – por nos sentirmos tão bem e tão em casa – ninguém fala muito alto, não há exageros. É quase que uma comunhão, percebem? Estamos ali todos para o mesmo, a ser tratados como família, mas ao mesmo tempo na nossa vida, sem incomodar ninguém. E isto faz com que o Al Sanpietrino Trattoria seja também um dos restaurantes mais românticos que conhecemos nos últimos tempos. Lá está, é o resultado de uma história de amor…
Um amor que se prova em cada garfada dos pratos que o Alex faz sozinho na cozinha e que a Kajsa nos traz à mesa. Pratos com origem italiana, claro, mas um pouco de todo a Itália. Como o próprio faz questão de nos explicar, com um entusiasmo contagiante e um brilho nos olhos que já não se encontra muito nos cozinheiros, foi a mãe que o ensinou a cozinhar e o que ele tenta fazer é transmitir esse amor familiar através dos sabores que coloca nos pratos. Porque a comida é mesmo isso: são sensações, são memórias, são momentos que nos marcam.
A ementa não é longa, mas é incrível como queremos provar todos os pratos, apenas pela sua descrição. São receitas tradicionais italianas, muitas delas nossas conhecidas, mas completamente veganas, o que ainda desperta maior interesse. E a verdade é que ficamos ainda mais entusiasmados ao ouvir a Kajsa a falar sobre os pratos, sobre como foram inspirados em receitas que a mãe e avó do Alex fazia quando ele era criança. Há sempre uma história, algo que nos envolve, que nos deixa apaixonados por aquelas pessoas, por aquela família, pelos pratos que ainda nem sequer provámos.
Como o “Radbit” Alla Ligure, inspirado num prato de coelho da família do Alex, que deixou de o comer quando viu a sua mãe a matar o primeiro bicho para a sua confecção. Mas reteve na sua memória os sabores, as texturas, as cores, todas aquelas sensações que agora consegue transmitir nesta versão vegana, que é feita com soja marinada durante a noite inteira (em vinho tinto e especiarias) e salteada de forma a ficar com um aspecto de coelho desfiado, servida com azeitonas, nozes e batatas assadas no forno. Há um silêncio imediato assim que colocamos a primeira garfada na boca, aquele silêncio de quem fica tão surpreendido que nem sabe o que dizer: é a textura mas é principalmente o sabor, uma coisa impossível de descrever. Sabemos que não é coelho mas não queremos saber, porque é a verdadeira comida de conforto, aquela que nos deixa completamente rendidos e a querer que aquele momento se prolongue para sempre.
Depois da indecisão nos pratos principais, escolhemos um prato de pasta que nos é muito familiar e do qual gostamos muito, e aqui mesmo em jeito de desafio. Porque um Spaghetti Alla Carbonara tradicional precisa de guanciale, queijo e ovos, e sabemos que aqui não vai ter. Aqui no Al Sanpietrino Trattoria o Spaguetti Alla Carbonara é feito com esparguete orgânico de trigo, o “guanciale” feito de seitan marinado com especiarias e um molho feito com leite de amêndoa (e muito mais coisas, sabemos disso, mas não decorámos tudo). Visualmente é exactamente o que esperamos, ainda que o sabor acabe por ser um pouco adocicado por causa do leite de amêndoa. Mas, ainda assim, é um excelente prato de pasta, cheio de sabor, com a pasta perfeita.
Por outro lado, temos a Calamarata, um prato típico da zona de Nápoles, e a sugestão imediata que nos dão quando mostramos indecisão. E voltamos a ser surpreendidos, porque a promessa é de um sabor a mar… o que acontece mesmo! A massa transmite a sensação visual de estarmos a comer calamares (lulas), mas o sabor a mar vem da utilização de algas, que é algo inesperado e incrivelmente saboroso! Depois ainda temos cogumelos ostra, molho de tomate orgânico e um pesto caseiro a completar o conjunto, num prato que podíamos ter comido algures na costa Amalfitana e acreditar mesmo que era vindo do mar. Há aqui tanto sabor que damos por nós a lutar pelos últimos restos de molho no prato… e isso é o melhor sinal de que adorámos!
O desafio de transformar em vegan sabores que tão bem conhecemos – e que adoramos – continua nas sobremesas, onde a Kajsa nos recomenda de imediato o Tiramisù e a Panna Cotta (da qual nós escolhemos a opção com Caramelo). É boa, a Panna Cotta, mas voltamos a ficar em silêncio e a não ter palavras para descrever o Tiramisù! É, sem sombra de dúvidas um dos melhores tiramisù que já comemos! A textura é ligeiramente diferente, menos cremosa do que nas versões “tradicionais”, mas o sabor é uma coisa do outro mundo! Há profundidade, há sabor intenso a café, há tudo aquilo que esperamos e muito mais. Se em vez de ser servido numa pequena taça fosse servido num pequeno prato, à colherada, diríamos que tinha sido feito por uma “nonna” italiana, lá atrás na cozinha. Lá está, não temos de todo este tipo de memórias – especialmente italianas – mas é o sabor deste tiramisù que nos transporta para elas.
Por tudo isto, saímos do Al Sanpietrino Trattoria com um sorriso na cara, e quando passamos pelas traseiras ainda espreitamos pela porta da cozinha para nos despedir do Alex, que nos responde também a sorrir. E lembramo-nos da frase que lemos no site do restaurante: “Fique à vontade para se sentir em casa”. Uma frase que faz completo sentido depois do nosso jantar, já que sentimos mesmo isso, que estávamos em casa.
Este restaurante é uma pérola escondida num beco de Alfama, e é uma das melhores descobertas que fizemos nos últimos anos. E isto independentemente de servir comida vegana ou não. Porque aquilo que sentimos no Al Sanpietrino Trattoria foi, em primeiro lugar, o conforto de uma casa de família e, acima de tudo, um amor enorme pelo que se faz. Um amor que vem da história da Kajsa e do Alex, mas que depois se sente no ambiente e na comida. Comida feita com alma, com carinho, onde todos os sabores nos despertam memórias que até podem não ser nossas, mas que passam a sê-lo depois da primeira visita. Visita essa que será a primeira de muitas, porque é inevitável regressar a sítios onde nos tratam como se fôssemos família. Uma maravilha!
Preço Médio: 28€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Beco da Lapa, 31 | 1100-331 Lisboa | (sem telefone disponível, mas reserva obrigatória através do Instagram)